Evangelho de Tomé e o autoconhecimento
Por Kim Nataraja
O Evangelho de Tomé enfatiza que para ver a realidade como ela é, precisamos abandonar o aspecto impuro do “ego”, os impulsos/desejos desordenados que são um produto de nossas necessidades de sobrevivência, educação e ambiente. Em outras palavras, as falsas imagens de nós mesmos, nossas “personas”, nossas máscaras de “ego”, nossas “roupas”: “Seus seguidores disseram: “Quando você aparecerá para nós e quando o veremos?” Jesus disse: “Quando você se despir sem ter vergonha e pegar suas roupas e colocá-las sob seus pés como crianças pequenas e pisoteá-las, então você verá o filho do vivente e não terá medo.” Precisamos ver através dessas falsas imagens e nos desapegar delas. Isso realmente não é tão diferente do que Jesus disse nos Evangelhos Sinóticos: “Qualquer um que queira ser um seguidor meu deve deixar o eu (ou seja, as ilusões do ‘ego’) para trás.” Somente fazendo isso nossa verdadeira natureza pode ser revelada.
Uma vez que rompemos as restrições do “ego”, seremos livres, não mais presos. Um duplo entendimento é necessário: primeiro, a maneira como nosso “ego”, a parte superficial do nosso ser opera e, segundo o verdadeiro autoconhecimento do nosso ser essencial: “Quando vocês se conhecerem, então serão conhecidos, e entenderão que são filhos do pai vivo. Mas se vocês não se conhecerem, então vocês habitam na pobreza, e vocês são pobreza.” Apenas viver na realidade que o “ego” tece, é viver na ilusão e na superfície – um empobrecimento do nosso verdadeiro ser. A salvação não é vista em termos de se tornar filhos da Luz, mas de uma consciência desdobrada desse fato real. Além disso, o ensinamento de Jesus nos afirma em nossa capacidade de fazê-lo: “Aquele que busca encontrará.”
A maioria dos escritores gnósticos da época eram profundamente dualistas: o mundo era frequentemente visto como ameaçador e tentador, basicamente mau. Tomás, ao contrário, o vê como permeado pela Luz Divina, consequentemente essencialmente bom. Portanto, não apenas nós, mas toda a criação somos infundidos e incorporado na Luz: “Jesus disse: “Eu sou a luz que está sobre todas as coisas. Eu sou tudo: de mim tudo saiu, e a mim tudo chegou. Divida a madeira; eu estou lá. Levante a pedra, e você me encontrará lá.” Na teologia cristã primitiva, Cristo era visto como a primeira Criação, o fundamento do ser, por meio do qual toda a criação foi moldada por Deus com a ajuda do Espírito.
Jesus estava compartilhando sua mensagem de que o Reino, a presença de Deus, está aqui e agora. Para ver o Reino, não precisamos apenas abandonar nosso falso eu superficial, mas também precisamos nos conscientizar de que o apego do “ego” ao mundo material nunca pode nos fornecer felicidade duradoura ou senso de segurança. Nós e o mundo somos impermanentes; tudo passa; portanto, é uma “carcaça”. “Jesus disse: quem conheceu o mundo descobriu uma carcaça, e quem descobriu uma carcaça, dessa pessoa o mundo não é digno.” (“Dessa pessoa o mundo não é digno” é um ditado judaico usado ao elogiar alguém.)
Nesses ditos, Jesus está constantemente movendo a atenção dos discípulos de uma realidade externa – buscando um lugar – para a importantíssima realidade interna. Onde ele habita é neste nível interno de consciência espiritual: “Seus seguidores disseram: “Mostre-nos o lugar onde você está, pois devemos buscá-lo.” Ele disse a eles: “Quem tem ouvidos, ouça. Há uma luz dentro de uma pessoa de luz, e ela brilha no mundo inteiro. Se ela não brilhar, é escuridão.” O mundo espiritual penetra nossa realidade material; não está em outro lugar.
Além disso, ao perceber essa realidade Divina interna, ajudaremos o resto da humanidade; nossa “iluminação” deve ser para o benefício de todos. Em nossa consciência mais profunda, somos um com todos e com Deus.
Essa ênfase na interconexão ressoou com os cristãos naquela época e ressoa conosco agora. Nós, a criação e o Divino estamos todos interconectados. A realidade Divina é nosso lar transcendente, o mundo da Luz onde todos os opostos, “movimento” e “repouso”, são reconciliados e transcendidos: “Se eles perguntarem a você: ‘qual é a evidência do pai em você?’ diga a eles, é movimento e repouso”, referindo-se à nossa capacidade de transcender a dualidade do ‘ego’.
Mas nunca é um caso de se livrar do ‘ego’, mas de integrar o ‘ego’ purificado com o outro aspecto do nosso ser, nossa centelha Divina. Então seremos Um dentro de nós mesmos, com os outros e com o Divino: “Jesus disse a eles: “Quando você fizer dos dois um, e quando você fizer o interno como o externo e o externo como o interno, e o superior como o inferior…. então você entrará no reino”.
A mensagem do Evangelho de Tomé é, portanto, essencialmente sobre integração. Do ‘ego’ purificado e do ‘self’ mais profundo, do material e do espiritual. Precisamos lembrar que somos ‘filhos de Deus’, lembrar nossa verdadeira natureza divina em nosso âmago, para que ela possa permear o ‘ego’ e nosso comportamento seja guiado por ambos. Assim, todo o nosso ser é divinizado, abrindo o material, para o Espírito, a Luz. Então, “entraremos no reino” e experimentaremos o ser e a presença do Divino.
(Adaptado de ‘Jornada ao Coração’ – o capítulo sobre ‘O Evangelho de Tomé’)