Entrando no deserto interior

Por Kim Nataraj

Na semana passada, falamos sobre o que pode acontecer conosco em nossa jornada de meditação. Começamos com entusiasmo, o nosso compromisso com a prática diária cresce, mas com o tempo inevitavelmente, nos deparamos com o ‘demônio da acídia’, como os Padres e Madres do Deserto chamavam esse estado emocional. Começamos a nos sentir entediados e inquietos; sentimos como se entrássemos no deserto interior. Thomas Merton, falando sobre esta experiência do ‘deserto’, disse: “Somente quando somos capazes de ‘deixar ir’ tudo dentro de nós, todo desejo de ver, de conhecer, de saborear e de experimentar a consolação de Deus, só então, somos realmente capazes de experimentar Sua presença.”

Portanto, requer um “deixar ir”, desta forma, esta “experiência do deserto” é purificadora. É um desafio superar nosso egocentrismo e meditar sem recompensa, sem saber para onde o Espírito nos leva, meditar mesmo quando assaltados por distrações profundas. Enquanto perseverarmos e nos dedicarmos fielmente à nossa prática, acabaremos por romper todas as resistências, e seremos purificados e fortalecidos para o verdadeiro autoconhecimento. Desta forma, o deserto é também nosso caminho para a Terra Prometida, pois nas palavras de Evágrio, o Pai do Deserto: “Nenhum outro demônio segue de perto o demônio da acídia, mas apenas um estado de profunda paz e alegria inexprimível surge dessa luta”. A esta ‘paz profunda e alegria inexprimível’, os Padres e Madres do Deserto chamavam de ‘apatheia’, uma calma profunda e imperturbável, uma alma verdadeiramente curada. Eles sabiam que a ‘apatheia’, ou ‘pureza de coração’, era o pré-requisito para entrar no ‘Reino de Deus’, estar na Presença de Deus: “O que os pais procuravam acima de tudo, era seu verdadeiro eu em Cristo. E para fazer isso, eles tiveram que rejeitar completamente o formal e falso eu, fabricado sob compulsão social no ‘mundo’.” (Thomas Merton).

Nosso “verdadeiro eu em Cristo” brilho, quando o fluxo de pensamentos e sentimentos é acalmado, quando as máscaras do ego e as falsas imagens do eu desaparecem, e as emoções são purificadas. Então, nos conhecemos como “filhos de Deus”, feitos à “imagem e semelhança” de Deus. Esta calma, esta felicidade, esta paz e alegria, é ao mesmo tempo uma consciência perfeita, uma supervigília. Então estamos “plenamente vivos”.

A partir daí, flui o estágio final do ‘ágape’, a experiência mais elevada de todas, de unidade com o amor universal e incondicional de Deus. O mundo cognoscível das formas e todos os conceitos da mente são transcendidos. Sabemos intuitivamente que “Deus não tem quantidade e não tem forma exterior”, e ,“ vemos com admiração a luz de nosso próprio espírito, e conhecemos essa luz, como algo além de nosso espírito, e ainda assim, a fonte dele .” (John Mail) Transcendemos todas as divisões. Sabemos que nosso espírito é um com o Espírito. Entramos na corrente de amor entre o Criador e a criatura. Chegamos em casa.

“O homem deve primeiro ser restituído a si mesmo, para que fazendo em si mesmo um degrau, possa elevar-se e ser elevado a Deus” (Santo Agostinho)

7 junho de 2024                                                                                                         

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