Orígenes e as etapas da jornada (parte 1)
Por Kim Nataraj
Vimos como Orígenes ligou os nossos dois modos de ser, ativo e contemplativo, com Maria e Marta, mas, depois ele apura isso e distingue três etapas, que chama de ‘ética’ , ‘física’ e ‘enóptica’ . O Bispo Kallistos Ware em ‘Journey to the Heart’ explica isso da seguinte forma:
“ A ‘Ética’ , a primeira etapa, corresponde à vida ativa, à aquisição das virtudes. As outras duas são formas de contemplação, mas Orígenes distingue entre o que ele chama de ‘física’ , que significa a contemplação da natureza, ver Deus em Sua criação, ver Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus e ‘enóptica’ , que significa a visão de Deus……
Encontramos este esquema triplo particularmente em Evágrio do Ponto, um pai egípcio do deserto do final do século IV e em Máximo, o Confessor, no século VII.
Fica claro, quando olhamos cuidadosamente para o modo como Orígenes, Evagrio ou Máximo falam sobre o esquema tríplice, que não se trata de estágios sucessivos, um terminando antes do próximo começar. Trata-se antes, de uma questão de aprofundamento de níveis que podem sobrepor-se, que podem ser simultâneos e não sucessivos. Em outras palavras, você poderia avançar da vida ativa para a contemplação da natureza, mas ainda assim teria que lutar para seguir uma vida moral. E você poderia ir além e ter experiências da visão direta de Deus, e ainda assim, praticaria a contemplação de Deus na natureza.
O ponto de partida da ‘práxis’ , da vida ativa da ‘ética’ , especialmente segundo Evágrio, é a ‘metanóia’ . Isto significa literalmente uma mudança de mentalidade, isto é, arrependimento. O arrependimento não é um paroxismo de culpa e ódio de si mesmo; arrependimento significa mudar de ideia, uma nova forma de olhar para si mesmo, para o próximo e para Deus.
Então é aí que você começa a vida ativa; então você busca a purificação dos atos pecaminosos, a purificação dos maus pensamentos. E no final da vida ativa – e este é um ponto defendido por Evágrio e não por Orígenes – chega-se ao que ele chama de “apatheia” , que não significa apatia. Significa falta de paixão, ser desapaixonado. Num sentido negativo, isto é eliminação de desejos; num sentido positivo, a afirmação de desejos purificados e transfigurados. Isso não significa imunidade à tentação, porque esperamos enfrentar a tentação até o fim da nossa vida terrena.
Está intimamente ligado por Evágrio à qualidade do amor, tendo cessado a luxúria, passamos a poder amar. ‘Apatheia’ não é, portanto, apenas negativamente a eliminação dos desejos pecaminosos, mas positivamente, a substituição dos nossos impulsos desordenados por uma nova e melhor energia de Deus. Então significa saúde de alma, reintegração, liberdade espiritual.
São João Cassiano, ao apresentar o ensinamento de Evágrio no Ocidente em latim, usa ‘puritas cordis’ , pureza de coração, em vez da palavra ‘apatheia’ . Isso tem a grande vantagem de ser positivo em vez de negativo em sua forma, e também de ser bíblico.”
15 abril de 2024