Orígenes e Escritura
Por Kim Nataraj
A leitura cuidadosa e contemplativa de uma curta passagem das Escrituras faz parte da tradição beneditina. Muitos de nós na Comunidade, podemos terminar o nosso período de meditação desta forma. A origem deste tipo de leitura reside nos primeiros séculos do cristianismo, quando os seguidores de Jesus tentavam compreender quem ele era, e o que significava o seu ensinamento. Orígenes foi o primeiro a expressar claramente a relação entre Escritura, experiência espiritual e compreensão.
O Rev. Professor Andrew Louth, em seu capítulo sobre Orígenes em ‘Journey to the Heart’, explica: “Tudo o que Orígenes escreveu, e ele escreveu abundantemente, estava preocupado com a interpretação das Escrituras, e tomou a forma de comentários e sermões. Foi o cerne de sua erudição e de sua teologia mística; na verdade, isso formou a base de seu ensino. Ele provavelmente escreveu comentários sobre todos os livros da Bíblia, muitos dos quais, estão agora infelizmente perdidos, já que alguns de seus ensinamentos foram considerados ‘hereges’ após sua vida.
Sua obra mais importante, ‘Sobre os primeiros princípios’, contém um relato sistemático de como ler as Escrituras. Grande parte dos estudos bíblicos modernos, preocupa-se com a análise crítica de palavras individuais. Embora Orígenes tenha se entregado a isso até certo ponto, ele enfatizou a importância de ir além do primeiro nível de leitura, isto é, concentrar-se apenas no significado superficial do texto. O verdadeiro objetivo da leitura das Escrituras para Orígenes, era levar-nos a um encontro com Cristo; foi essencialmente uma experiência espiritual. A voz que ouvimos nas Escrituras é Cristo falando conosco e nossa compreensão das Escrituras é um caminho para a união com Ele.
A tradição da ‘Lectio Divina’, a leitura lenta e meditativa das Escrituras que eventualmente conduz à medula do texto, pode ser atribuída a ele. Ele expressa a experiência de descobrir o significado espiritual e teológico das Escrituras através de alegorias, muitas vezes em linguagem mística; ele fala de um “despertar repentino”, de “inspiração” e de “iluminação”. É bastante claro que o misticismo de Orígenes está centrado na Palavra, e que a Palavra eterna é apreendida nas Escrituras.
O Cristianismo, em sua opinião, era o cumprimento do Antigo Testamento. Vislumbres da verdade, vistos através de Moisés e dos profetas, foram realmente encarnados em Cristo. O Antigo Testamento, foi a história do relacionamento de Deus com o seu povo, mas Cristo era a verdade e a chave para a compreensão das Escrituras. Se ouvirmos atentamente o Antigo Testamento, ouviremos ali o Evangelho de Cristo: por exemplo, Orígenes fala do amor de Cristo pela sua Igreja na introdução ao seu comentário ao Cântico dos Cânticos: Cristo é o noivo que nos procura com amor. No entanto, o contexto litúrgico nunca está longe, pois as Escrituras teriam sido ouvidas principalmente na Igreja, e a maior parte da obra de Orígenes consistia em sermões. No século IV, Basílio de Cesaréia e Gregório de Nazianzo fizeram uma seleção dos escritos de Orígenes, a ‘Filocalia’. No início (no capítulo 6), eles selecionam uma passagem na qual Orígenes sugere que ouvir as Escrituras é como tentar ouvir uma sinfonia; você não será capaz de entendê-la se não tiver compreendido os princípios da harmonia. Como aprendemos esses princípios? Da nossa vida de cristãos e através da Regra de Fé. Com essa compreensão, podemos ouvir a harmonia.”
Rev. Professor Andrew Louth
5 de abril 2024