carta 10 – A arte de ouvir

Com frequência ouvimos dizer que a meditação é simples, mas não é fácil. Vamos considerar, por um momento, de que maneira isso é verdade. Na descrição de John Main dos estágios da meditação, ele menciona primeiro a importância de dizer o mantra – visando fazer isso durante todo o tempo de meditação. Esta é a nossa primeira intenção quando começamos a meditar. Mas isso não é tão fácil quanto parece. Coloca-nos diante do primeiro obstáculo. Dize-lo parece bastante simples, mas continuar a fazê-lo enquanto a nossa atenção está totalmente na nossa palavra não é fácil. Parece uma ação tão repetitiva e mecânica. Nosso ego logo se manifesta e diz: ‘” Isso é chato! Apenas repetir a palavra de novo e de novo”.

Mas o que estamos esquecendo é que não é qualquer palavra que repetimos, mas uma palavra oração à qual precisamos prestar atenção fiel e amorosa. Assim, ignoramos os comentários do ego. Mas então imediatamente, encontramos o segundo obstáculo, porque para ser capaz de focar exclusivamente em nosso mantra, precisamos deixar outros pensamentos para trás. E isso também é mais fácil dizer do que fazer. Os dois estão totalmente conectados. Se não repetirmos a nossa palavra com toda a nossa atenção, continuamos a perder a palavra entre todos os nossos pensamentos.

Depois de um tempo, parece que estamos indo bem em dizer nossa palavra, mas, de repente nos damos conta de algo estranho. Estamos em duplo rastreamento, como os antigos gravadores costumavam fazer. Eles tocavam uma faixa, mas você podia, ao mesmo tempo, ouvir uma outra faixa. De fato, repetimos constantemente nossa palavra em uma faixa, mas em vez de deixar nossos pensamentos para trás, eles caminham alegremente ao lado, na outra faixa. Uma maneira de lidar com isso é nos distanciarmos do pensamento e da emoção que o acompanha, nomeando os pensamentos e retornando à nossa palavra. Mas logo parece-nos que estamos constantemente fazendo isso. Mais uma vez o ego faz um comentário depreciativo. Ele lhe diz que você está retornando ao seu mantra mais vezes do que repetindo-o. Se deixarmos isso nos afetar, estaremos no caminho sem volta. Irritação e aborrecimento também vêm do ego e, portanto, nos mantêm sob seu controle, dominando-nos com todos os pensamentos, preocupações, esperanças, sonhos que ele usou para construir-se ao longo do tempo. Mas esses são exatamente os pensamentos que precisamos deixar para trás. Eles fazem parte de nossa consciência superficial, mas meditação é sobre ir além do ego, para a parte mais profunda de nossa consciência.

Precisamos ‘deixar o eu’ para trás para encontrar nosso verdadeiro Eu em Cristo. Mas esse constante vaivém entre o mantra e nossa palavra dá a oportunidade para o ego nos dissuadir de meditar, ao enfatizar que não há sensação de paz aqui e neste estágio o pensamento pode ocorrer ‘Qual é o sentido de tudo isso – eu apenas sento e penso. Meditação, simplesmente, não é para mim”. E nós desistimos.

O que é necessário para nos ajudar no caminho é a segunda intenção da meditação – ouvir o nosso mantra enquanto o dizemos – a escuta profunda, a escuta fiel é prestar atenção total, atenção indivisa, que é uma expressão de amor.

Laurence Freeman em “The Selfless Self” vê esta forma de escuta atenta e fiel como um caminho para a totalidade – a integração do ego com o verdadeiro eu, uma harmonia do nosso ser total e consciência – em termos musicais: “A retidão, a afinação precisa, a plenitude, a música do ser é restaurada ao entrarmos em contato com a música além de nós mesmos… Somos atraídos para a plenitude da harmonia ao ouvir uma harmonia mais profunda… a harmonia mais profunda de Cristo. Mas essa atitude de atenção total, deixando para trás nossa consciência superficial, exige uma atitude de coragem, compromisso, perseverança e fé.

Como John Main enfatiza em A palavra que leva ao Silêncio (Word into Silence) “a meditação é a oração da fé, porque temos que nos deixar para trás antes que o Outro apareça e sem nenhuma garantia assegurada de que Ele aparecerá”. Mas se encontrarmos essa coragem e fé, então, não é mais uma questão de dizer ou ouvir, mas do mantra soar em nosso coração, no centro de nosso ser, onde o Amor habita. Deus é amor.

Kim Nataraja

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