Carta 29 – O Deserto e o Riacho

 Cara(o) Amiga(o)

O caminho espiritual passa do autoconhecimento ao conhecimento de Deus, como já ouvimos nas palavras de muitos mestres místicos ou espirituais. Laurence Freeman em ‘Jesus, o Mestre Interior’ afirma: “Cada pessoa conhece a si mesma de forma única, e expressa de forma única sua visão sobre a natureza simples e não dual de Deus e do Ser. A união se transfigura, mas não destrói a identidade pessoal”.

A história sufi que se segue descreve lindamente o que é necessário durante esse processo:

A história começa com uma chuva suave caindo no alto de uma montanha em uma terra distante. A princípio a chuva era silenciosa e calma, escorrendo pelas encostas de granito. Gradualmente foi aumentando sua força, à medida que riachos de água rolavam sobre as rochas e desciam pelas árvores retorcidas e nodosas que cresciam por ali. A chuva caía como a água, descuidadamente: a água nunca tem tempo para praticar a queda. Logo estava chovendo forte, enquanto correntes rápidas de água escura fluíam juntas no início de um riacho.

O riacho descia pela encosta da montanha, passando por pequenas colunas de ciprestes e campos de beldroegas com pontas de lavanda, descendo em cascatas. Movia-se sem esforço, espirrando pedras em volta – aprendendo que um riacho interrompido por pedras é aquele que canta mais nobremente. Por fim, tendo deixado suas alturas na montanha distante, o riacho abriu caminho até a orla de um grande deserto. Areia e rocha se estendiam além da vista. Tendo cruzado todas as outras barreiras em seu caminho, o riacho esperava cruzar essa também.

Mas, tão rápido quanto suas ondas batiam no deserto, tão rápido elas desapareciam na areia. Depois de um tempo, o riacho ouviu uma voz sussurrando, como se viesse do próprio deserto, dizendo: “O vento atravessa o deserto, o mesmo pode acontecer com o riacho.” “Sim, mas o vento pode voar!” gritou o riacho, ainda se lançando na areia do deserto. “Você nunca vai atravessar dessa maneira”, sussurrou o deserto. “Você tem que deixar o vento te levar.” “Mas como?” gritou o riacho. “Deixe que o vento te absorva.”

A corrente, porém, não aceitou isso por não querer perder sua identidade ou abandonar sua própria individualidade. Afinal, se ela se entregasse ao vento, poderia ter certeza de se tornar um riacho novamente? O deserto respondeu que o riacho poderia continuar fluindo, talvez um dia até produzindo um pântano lá na borda do deserto. Mas nunca cruzaria o deserto enquanto permanecesse um riacho. “Por que não posso permanecer o mesmo riacho que sou?” a água chorou.

E o deserto respondeu, muito sabiamente: “Você nunca poderá permanecer o que é. Ou você se torna um pântano ou se entrega ao vento. O riacho ficou em silêncio por um longo tempo, ouvindo, ouvindo ecos distantes da memória, sabendo que partes dele já haviam sido seguradas antes pelos braços do vento.

Daquele lugar há muito esquecido, foi aos poucos relembrando como a água só vence cedendo, contornando obstáculos, virando vapor quando ameaçada pelo fogo. Das profundezas daquele silêncio, lentamente o riacho elevou seus vapores aos braços acolhedores do vento e voou,, carregado facilmente em grandes nuvens brancas sobre o vasto deserto. Aproximando-se de montanhas distantes do outro lado do deserto, o riacho começou mais uma vez a cair como uma chuva leve.

No início era silenciosa e calma, escorrendo pelas encostas de granito. Gradualmente aumentou sua força, à medida que riachos rolavam sobre as rochas e desciam pelas árvores retorcidas e nodosas que cresciam por ali. A chuva caiu, como deve acontecer, sem cálculos. E logo começou a chover forte, enquanto rápidas correntes de água escura fluíam juntas – mais uma vez – nas cabeceiras de um novo riacho.

Kim Nataraja

Até a Próxima Semana

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

Publicações similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *