Carta 44 – Jesus como professor de contemplação

Cara(o) Amiga(o)

Nos próximos passos do ‘Ensino Semanal’, gostaria de compartilhar com vocês alguns trechos de ‘Journey to the Heart”. Este livro é baseado em palestras proferidas por autores diversos no Curso ‘Raízes do Misticismo Cristão’, que foi realizado, por quatro anos, como um curso de um ano de 30 sessões semanais, por Shankar (meu marido) e eu, sob a égide da Comunidade Mundial para Meditação Cristã, no London Christian Meditation Centre. O objetivo do livro ‘Journey to the Heart’, como era o do Curso, é introduzir meditantes na nossa tradição, e outros interessados no Misticismo Cristão, a esta rica corrente que flui através dos tempos, usando certos professores espirituais essenciais como trampolins ao longo do caminho. Ler o livro é considerado uma jornada espiritual de descoberta; não é considerado primordialmente coleta de informações, mas sim um processo de crescimento por estar exposto à sabedoria desses professores. Espero que esses extratos abram seu apetite pelo livro inteiro.

Laurence Freeman começa o livro levando-nos ao fundamento da oração contemplativa cristã: Jesus. Ele o faz não explorando citações específicas das Escrituras, como foi feito no passado, mas apontando que é a maneira de ensinar e de ser de Jesus que mostra que ele é um professor de contemplação.

Laurence inicia suas reflexões com a história de Maria e Marta: “Jesus vem visitar Marta e Maria, duas irmãs, duas amigas dele. Marta, representante da vida ativa, acolhe-o em casa enquanto Maria, simbolizando a vida contemplativa, se senta a seus pés ouvindo suas palavras. O texto diz que ela se senta e fica ali. Marta, no entanto, se distrai com suas muitas tarefas e surge como uma espécie de terrorista doméstica ao explodir em reclamações a Jesus: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe fazer tudo sozinha? Diga a ela para me dar uma mão!”

Marta é claramente a estrela ou anti-heroína desta história. O leitor comum se identifica e simpatiza com ela. Quem às vezes não se sentiu como ela? Ela não está com um humor agradável, mas não é condenada por Jesus – ou pelo narrador ou pelo leitor – pois ela está muito claramente num estado de sofrimento, isolada, irritada, oprimida, sentindo-se abandonada. Seu ego inflou dolorosamente e ela vê tudo girando em torno de si mesma. Se tivéssemos de dar à multitarefa Marta mais um emprego em seu descanso celestial, seria o de ser a padroeira do estresse, do qual ela está apresentando todos os sintomas clássicos. No entanto, por trás da auto dramatização, ela está apenas tentando preparar uma boa refeição, ser hospitaleira. Por que ela não pede a Maria para ajudá-la diretamente? Por que ela culpa Jesus e se torna a única discípula nos Evangelhos a lhe dizer o que fazer? Essas são perguntas que tornam a história instrutiva para nós em um nível de leitura das escrituras, proporcionando-nos uma visão de seu “sentido moral”. Como a história nos ajuda a entender nosso próprio comportamento? No entanto, em um nível espiritual mais profundo, não estamos lidando com psicologia, mas com a própria constituição de nossa humanidade. As duas irmãs representam não apenas dois tipos de personalidade, mas as duas metades da alma humana. Isso está implícito na maneira como Jesus responde a Marta.

Calmamente e de forma amigável, ele explica a Marta, antes de tudo, que ela está muito desligada de si mesma. Ele diz o nome dela duas vezes para trazê-la de volta. Ela está agora, esperamos, aprendendo a ouvi-lo como Maria estava fazendo. “Marta, Marta, você está se preocupando exageradamente e se irritando com tantas coisas”, ele diz a ela. Jesus não está culpando, mas está diagnosticando o problema dela, apontando o quão alienada ela se tornou de sua outra metade, sua irmã. Ele diz a Marta que ela se tornou excessivamente estressada em suas muitas tarefas, ao passo que “apenas uma coisa é necessária”. Ele não define essa “coisa”. Mas, certamente, a “única coisa” é ser um, reintegrar o eu dividido, cuja fratura interna a levou à raiva e à violência. Em suas palavras seguintes, ele defende a dimensão contemplativa da vida que rotineiramente sofre o ataque do lado ativista do eu dividido, por ser inútil, improdutiva e egoísta. Essa unidade original da alma, o equilíbrio e a harmonia entre a ação e a contemplação, decide todo o padrão e tom da vida. Sem ela, todos os aspectos da vida são fragmentados. Em termos religiosos, teologia, oração e adoração são todos prejudicados por essa divisão interna. A própria fé eventualmente degenera em ideologia e conformismo social sem a dimensão contemplativa. Em termos mais gerais, a psique humana colapsa em unilateralidade, desequilíbrio e desarmonia. É por isso que Jesus diz algo que pode ser mal interpretado como uma crítica a Marta: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Na verdade, ele está dizendo que o ser vem antes do fazer e a qualidade do nosso ser determina a qualidade e a eficácia de todas as nossas ações. Não sabemos como Marta responde. Ela levanta as mãos em desespero e sai batendo a porta, ou de repente se acalma e faz o que deveria ter feito a princípio, que é pedir ajuda a Maria? Seria o teste do trabalho de Maria. Se ela tivesse dito ‘Não, estou contemplando, me deixe em paz’, ela teria mostrado que seu trabalho não era autêntico. Se ela tivesse pulado e ajudado, seu outro lado estaria em harmonia. O erro de Marta, cometido tanto por culturas e religiões quanto por indivíduos, é não ter se lembrado de que Maria também estava trabalhando.

Somos todos Marta e Maria. Nosso desequilíbrio é representado aqui por Marta, que o apresenta como um problema universal. A única coisa necessária é trazer as duas metades de nossa alma de volta à amizade e ao equilíbrio. Podemos fazer isso de muitas maneiras. O mais importante, é claro, é recuperar o trabalho que Maria está fazendo – Marta havia esquecido o valor da não ação de Maria: embora Maria pareça não estar fazendo nada, ela está trabalhando, ouvindo e prestando atenção e ficando imóvel.

A história mostra-nos Jesus como um professor de contemplação que entende e comunica que a totalidade é equilíbrio sagrado e integração. Jesus ensinou isso, não apenas com palavras, mas com o exemplo. Particularmente no Evangelho de Lucas, o vemos, frequentemente, interrompendo seu ritmo acelerado de vida, sua pregação, curas e viagens, retirando-se para lugares tranquilos para orar sozinho ou com alguns de seus discípulos (Lc 6, 12; 9, 18; 22, 39) Se não houvesse harmonia entre o que ele ensinava e o que fazia, seu ensino careceria de autoridade. A identidade cristã depende diretamente desta autoridade.”

(Trecho do livro ‘Journey to the Heart – Christian Contemplation through the centuries – an Illustrated Guide’)

Até a Próxima Semana

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

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