Carta 47 – Resistência através do condicionamento religioso
Cara(o) Amiga(o)
Nossa educação religiosa forma a nossa herança de imagens de Deus, que pode muito bem ser um obstáculo adicional para nós no caminho espiritual. Devemos tomar consciência de como nossas ideias sobre Deus são não apenas moldadas por fatores sociais e culturais, mas também distorcidas por nossos condicionamentos, nossos medos pessoais, esperanças e necessidades. Elas são muitas vezes um produto de nossa infância relacionada com nossas atitudes, especialmente para com pais e professores. Todas as imagens são um produto do ‘ego’. Ao dar um nome a ‘Deus’, sentimos que conhecemos a Realidade Divina; por ter formado uma imagem clara Dele, o ‘ego’ sente-se seguro, e no controle. Mas ‘nomear’ não é ‘conhecer’.
Fomos feitos “à imagem e semelhança de Deus.” Mas, ao invés de entender isso como tendo a imagem e semelhança divina dentro de nós, tomamos isso ao pé da letra e, consequentemente, transformamos Deus em nossa própria imagem e semelhança condicionadas: “A maioria das pessoas está fechada em seu corpo mortal, como uma lesma em seu caracol, enrolada em suas obsessões, à maneira de ouriços. Estas formam a sua noção da bem-aventurança de Deus, tomando a si mesmas como modelo.” (Clemente de Alexandria, séc. II) Muitas vezes, quando nos tornamos “agnósticos” ou mesmo “ateus”, é a nossa imagem de Deus que morreu. O grito de Nietzsche de que “Deus está morto” é um exemplo notável disso. Ele já não podia aceitar o Deus de sua infância e descartou a crença em Deus, junto com a ideia infantil que tinha Dele.
As Escrituras cristãs nos mostram claramente como funciona esse processo: as nossas imagens refletem o tempo em que vivemos, e o que necessitamos. Podemos ver uma sequência de imagens de Deus ligada à evolução social da humanidade. Em primeiro lugar encontramos o Deus tribal da Bíblia Hebraica: todo-poderoso, protetor, generoso, impressionante, mas também distante, volúvel e imprevisível, tal como a natureza, da qual as pequenas comunidades frequentemente migratórias eram tão dependentes. Esta noção é seguida pela de um Deus mais imparcial, onipotente e onisciente, não tão distante, um governante justo, como o rei ideal que uma comunidade estabelecida ou cidade-estado de então necessitavam. Então, encontramos o Deus de Amor do Novo Testamento, refletindo a necessidade de paz e de serviço em uma comunidade maior, consolidando relacionamentos. Mas, Deus não muda – apenas as nossas imagens mudam.
Mesmo que saibamos que não podemos abranger o Divino com palavras e pensamentos, consideramos em geral muito difícil nos relacionarmos com algo “inominável, inefável e ilimitado”. A mente humana precisa de imagens, é assim que ela foi feita, faz parte do nosso ser físico neste nível de realidade do tempo e do espaço. Mas, precisamos lembrar que Deus é muito mais do que as nossas imagens, e olhar através delas, para a Realidade para a qual elas apontam. Como diz um provérbio budista: os dedos apontam para a lua, eles não são a lua. Ao tratar nossas imagens como a realidade, ignorando que elas são apenas sombras do real, nós na verdade criamos ídolos a partir de nossas imagens. Mas, precisamos destruir esses ídolos. Mestre Eckhart (místico alemão do século XIV) disse com muita propriedade: “Por isso eu rezo a Deus para que me livre de deus” (me livre das minhas imagens de Deus). Este provérbio é muito semelhante ao provérbio budista: “Quando você encontrar o Buda na estrada mate-o”. Para além de nossas imagens, é a divindade a que estamos intimamente ligados, e as imagens apenas escondem essa realidade. A meditação, com sua ênfase em abandonar palavras e imagens, nos ajuda a desistir de nossas imagens falsas, nossos ídolos, e entrar na experiência de Deus, sem palavras.
por Kim Nataraja
Até a próxima semana!
Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL