Carta 52 – Orígenes e os Estágios da Jornada (3)
Cara(o) Amiga(o)
Agora chegamos ao estágio final da jornada de Orígenes, a contemplação de Deus. Esse anseio pela visão de Deus foi a razão pela qual tantos cristãos primitivos adentraram os desertos do Egito, Palestina e Síria. Eles queriam dedicar sua vida a viver de acordo com o ensinamento de Jesus e seguindo sua orientação para transformar totalmente seu modo de ser baseado na multiplicidade para a unidade total.
Moisés, um dos mais reverenciados Padres do Deserto de Sceti, no Egito, no século IV d.C., disse a João Cassiano e seu amigo Germano – como descrito por João Cassiano em sua primeira Conferência – que o objetivo do monge era a visão do “Reino de Deus”, uma visão de pura unidade.
Mas, antes que eles pudessem chegar a isso, ele os aconselhou que teriam que alcançar a “pureza do coração”, o que implicava uma limpeza e cura dos desejos orientados pelo ego. Evágrio, o principal professor de Cassiano, havia chamado esses desejos de “pensamentos malignos”. Segundo ele, chegar a esse estado de “pureza do coração” exigia duas disciplinas: em primeiro lugar, a prática de deixar pensamentos e imagens para trás, passar do pensamento discursivo para a consciência pura na oração e, em segundo lugar, “observar os pensamentos”.
Isso implica estar ciente de nossas sensações, sentimentos e pensamentos em outros momentos, quando não realmente engajados na oração. Esta é uma prática que em nosso tempo é chamada de “atenção plena”. A prática de prestar atenção unicamente direcionada à nossa palavra de oração leva à capacidade de concentrar a atenção apenas em uma coisa ou quem quer que esteja lá diante de nós na vida comum, sejam outras pessoas, ou a criação. Os primeiros cristãos enfatizaram que: “Como você reza, então você viverá.” A vida e a oração foram enriquecidas por essa pureza de atenção.
O bispo Kallistos descreve esta etapa final desta forma: “Devemos alcançar uma consciência unificada na qual estamos conscientes da presença divina, mas sem qualquer imagem ou forma ou frases verbais em nossa mente: um amor tocante e unificador que é apofático, não icônico… Há, no entanto, uma clara distinção entre a contemplação de Deus na natureza e a contemplação de Deus na união não mediada. Muitos de nós quando lemos nas obras dos místicos sobre a visão não mediada de Deus em um nível além de todos os pensamentos, sentimos que isso está muito além de nossas capacidades atuais. Mas, a contemplação de Deus na natureza, afirmar a presença divina em todas as coisas criadas ao nosso redor, está no âmbito de todos nós. Se essa distinção for feita, a contemplação torna-se muito mais acessível. Somos todos contemplativos, e contemplação é possível seja qual for nosso modo de vida. Ninguém está excluído. Todos nós podemos afirmar o mundo em Deus e Deus no mundo.”
A partir desta exposição do pensamento de Orígenes vemos claramente como o ensinamento de John Main está completamente alinhado com o ensinamento de Orígenes, como refinado por Evágrio e depois explicado e elaborado por Cassiano.
É interessante que ao chegar ao final desse ciclo do ‘Ensinamento Semanal’ chegamos aonde começamos: a importância da simplicidade da prática de prestar atenção à nossa palavra.
(Extraído do livro Journey to the Heart – Christian Contemplation through the centuries)
Até a Próxima Semana
Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL