Carta 51 – Orígenes e os Estágios da Jornada (2)

 Cara(o) Amiga(o)

O Bispo Kalistos Ware continua sua exploração dos estágios da jornada:

“Assim, tendo avançado de alguma forma no caminho da ‘práxis’ ou ‘ética’, tendo chegado perto da ‘pureza do coração’, podemos começar com a ajuda e a graça de Deus para passar para o segundo estágio, que Evágrio chama de ‘contemplação natural’: ver Deus em tudo, tratar a natureza como livro de Deus; para ver cada coisa criada como um sacramento da presença divina.

Você pode se lembrar do poema do século XVII de George Herbert muitas vezes usado como hino “Ensine-me, meu Deus e Rei, em todas as coisas a Ti ver; e o que eu faço em qualquer coisa, para fazê-lo como para Ti.” Isso é exatamente o que Orígenes e Evágrio querem dizer com a contemplação da natureza. Como diz no texto do século II, o Evangelho de Tomé “Levante a pedra e você me encontrará. Corte a madeira em dois e lá estou eu.”

No contexto cristão isso não é panteísmo, identificando Deus e o mundo, mas é panenteísmo. Os panteístas dizem: “Deus é o mundo e o mundo é Deus.” O panenteísta diz: “Deus está no mundo e o mundo está em Deus.” Mas, o panenteísta, se ele ou ela é cristão, acrescentará “Deus está no mundo, mas Ele também está acima e além do mundo; totalmente imanente, Ele também é totalmente transcendente. Mas, antes que possamos experimentar, talvez, a transcendência de Deus, precisamos ter algum senso de sua imanência. Precisamos sentir a proximidade antes de experimentarmos a alteridade.

Isto é o que se entende pelo segundo estágio, contemplando Deus na natureza e a natureza em Deus. Há uma história agradável contada sobre Santo Antão do Egito e um filósofo: “Chegou ao justo Antônio um dos homens mais sábios da época e disse: ‘De que maneira você consegue continuar, Padre, privado como você está de todo o consolo dos livros?’ Antão respondeu: “Meu livro, filósofo, é a natureza das coisas criadas e está pronto sempre que eu queira ler as palavras de Deus.”

Isto é o que se entende por “física”, contemplação da natureza – ler o livro de Deus.

Há, também, uma história sobre um eremita de nossos tempos no Monte Atos. Ele vivia no topo de um precipício, cerca de 160 m acima do mar olhando para o Ocidente. Era seu costume sentar-se em sua varanda todos os dias assistindo o pôr-do-sol, vendo o sol se pôr no mar. Era uma vista maravilhosa.

Um dia, um jovem monge se juntou a ele como seu discípulo e o velho o fez vir e sentar-se todos os dias e assistir ao pôr-do-sol. O jovem monge era uma pessoa de energia e caráter práticos. Depois de ter feito isso por vários dias, ele disse ao velho monge “Por que temos que sentar e olhar para o pôr-do-sol todos os dias? É uma vista muito agradável, mas nós vimos isso ontem.” E eles faziam isso pouco antes de ir para a capela para o seu ofício noturno, para a vigília.

“O que você está fazendo quando você se senta olhando para a vista?”, disse o jovem monge. E o velho respondeu: “Estou coletando material. Estou coletando combustível. Estou juntando lenha.” Em outras palavras, antes de entrar na escuridão da capela e buscar Deus presente dentro de seu coração através da oração interior, através da Oração de Jesus, ele olhava para o mundo que Deus fez e afirmava a Presença Divina em toda a criação.

Então, é isso que se entende pela contemplação da natureza, mas muitos dos Padres, incluindo Orígenes, vêem isso de uma forma ligeiramente negativa. Não é apenas a contemplação das maravilhas de Deus na criação, mas também uma percepção da transitoriedade do mundo e um desejo de ir além dele. A ordem criada não é prevista como um fim em si, mas como uma escada de ascensão.”

(Extraído do livro Journey to the Heart – Christian Contemplation through the centuries)

(Continua na próxima Carta)

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

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