Primeira semana da Quaresma 2024

Segunda-feira da Primeira semana da Quaresma

Por Laurence Freeman OSB

Uma das melhores maneiras de mudar a perspectiva com que olhamos a vida e a realidade é conversando de maneira inteligente com uma criança. Ou melhor, tratando a criança como um ser inteligente e ouvindo-a. As perguntas que uma criança faz, as percepções que ela transmite ingenuamente podem nos fazer pensar e podem nos humilhar.

A partir do seu primeiro vislumbre de consciência, o ser humano foi condicionado não apenas a sobreviver e a se reproduzir, mas também a questionar, a buscar significado e a desejar sua realização. Às vezes penso como tudo seria mais fácil se não tivéssemos esse condicionamento porque o questionar, o buscar e o desejar também trazem descontentamento e sofrimento. Não é de surpreender o fato de existir nos dias de hoje uma indústria, chamada de turismo e de entretenimento, que nos permite abandonar este fardo humano e fantasiar que podemos ser felizes apenas consumindo o que desejamos. Nada parece  mais maravilhoso do que ser fisgado por uma série da Netflix ou até, mais tristemente, por formas piores de adicção e negação.

Certa vez, um jovem visitante me contou que estava se divertindo em uma viagem hedonística pelas praias da Tailândia, com uma nova namorada e outros amigos. Deitado na areia dourada, ele pensou consigo mesmo: “Isto é vida” e de repente, como se o chão tivesse sido subitamente arrancado de debaixo dele se deu conta que aquilo não era suficiente, não era o que ele realmente queria. O questionamento, o sentido e o desejo retornaram.

Não estou dizendo que a vida não pode ser agradável ou que devemos sempre ser sérios. Longe disso, pois também sou hedonista. Mas seja o que for que estejamos fazendo, trabalhando duro, relaxando ou buscando e desejando algo, nós, sendo humanos, precisamos estar abertos à vastidão pela qual viajamos e da qual fazemos parte. Não podemos nos esconder daquilo que está oculto à vista da mente humana.

Nossa busca por significado e plenitude nunca será satisfeita. Para todas as nossas perguntas, não há resposta final. Nunca podemos ver a luz, mas vemos tudo pela luz. O Salmo 36 contradiz isto: ‘E com a tua luz, nós vemos a luz’ diz; e maravilhosa e enlouquecedoramente ambas afirmações são verdadeiras. O horizonte é uma fronteira que nunca poderemos alcançar porque sempre está mais longe do que pensamos estar. A felicidade é sempre ilusória e sempre inevitável. A necessidade de afirmação e controle do ego estará frustrada para sempre.

O que isto significa? Que Deus está conosco em nossa humanidade básica, dentro de nossas humildes limitações. Num mundo em crise, quando as coisas desmoronam em nossas vidas, há uma razão inevitável para o otimismo.


Texto original

Monday First Week of Lent

One of the best ways to change your perspective on life and view of reality is to speak intelligently with a child. Or, rather, to treat the child as an intelligent being and listen. The questions a child asks, the insights that they naively transmit can halt and humble us.

From our first glimmer of consciousness, the human is conditioned not just to survive and reproduce but to question, seek meaning and long for fulfilment. I sometimes think how much easier it would all be if we didn’t have this conditioning because the questioning, seeking and longing also bring discontent and suffering. Not surprisingly there is an industry today, called tourism and entertainment, that allows us to step out of this human burden and fantasise that we can be happy just by consuming what we desire. Nothing, then seems more wonderful than getting hooked on a Netflix series or even, more sadly, worse forms of addiction and denial.

A young visitor once told me how he had been revelling on a hedonistic trip on beaches in Thailand, with a new girlfriend and other friends. Lying back on the golden sand, he thought to himself ‘this is the life’ and then, as if the floor had been suddenly pulled out from beneath him, he realised it was not enough, not what he really wanted. Questioning, meaning and longing returned.

I am not saying life can’t be enjoyable or we always have to be serious. Far from it, as I am a hedonist myself. But that whatever we are doing, working hard, chilling out, or questing and longing we, being human, need to be open to the vastness we are travelling through and part of. We cannot hide from what is hidden in plain sight to the human mind.

Our search for meaning and fullness will never be satisfied. For all our questions, there is no final answer. We can never see light but we see everything by light. Psalm 36 contradicts this: ‘In your light, we see light,’ it says; and wonderfully and maddeningly both are true. The horizon is a boundary we can never reach because we always go further than we think possible. Happiness is forever elusive and forever inescapable. The ego’s need for closure and control will forever be frustrated.

What does this mean? That God is with us in our basic humanity, within our humbling limitations. In a tumbling world, when things fall apart in our lives, there is inescapable reason for optimism.

Publicações similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *