Sexta-feira Santa

Sexta-Feira Santa

Por Laurence Freeman OSB

Desde a minha infância, as descrições do Evangelho sobre os últimos dias e horas da vida de Jesus me cativaram e me fascinaram como alguma coisa de suprema importância e significado. Cada parte da história é uma parte de mim. Conforme nos preparamos para a Sexta-Feira Santa aqui em Bonnevaux – depois de uma divertida celebração da Quinta-Feira Santa – poderíamos ter um sentimento do tipo “bom, a vida é assim”: celebração em um dia, más notícias amanhã. Será que tem algum significado: este ciclo de alegria e miséria? Ou é apenas sobre aceitar o que precisamos? Mas, perguntar isso parece um erro, procurando por explicações onde elas não existem.

Quando você não pode explicar alguma coisa, forneça estatísticas. No geral, os Evangelhos dedicam um espaço desproporcional à descrição destas últimas horas: 30% de todos os textos do Evangelho, a respeito deste homem de 33 anos, é sobre o relato dos seus últimos dois ou três dias. João, o Evangelho mais profundo, dedica 43% e Marcos, o primeiro e mais curto dos Evangelhos, 40%. Dá uma boa sensação ter mensurado isso, apesar de que os Evangelhos ainda não dêem nenhuma explicação sobre o seu significado. Por que a sua morte é tão importante? Por que não sabemos mais dos primeiros anos da sua vida, da sua personalidade, especialmente os seus ensinamentos? Estes pontos poderiam ter sido incluídos e os últimos anos reduzidos. 

Portanto, apesar da Sexta-Feira Santa ser tão relevante para mim, não consigo dizer o motivo. O que fui ensinado originalmente – Jesus morreu por nós por causa do pecado original – é a clássica “teoria da reconciliação”. Mesmo quando eu era mais jovem ela não me convencia, mesmo que eu nunca tenha argumentado contra ela. Wittgenstein, que acreditava que a Ressurreição só podia ser compreendida pelo amor, disse que “quando não podemos falar, devemos nos manter em silêncio”.  

Eu vou colocar aqui mais algumas palavras para explicar porque esta resposta de silêncio pode ser aplicada à tentativa de explicar a morte de Jesus. Primeiro, os detalhes são inesquecivelmente poderosos – as últimas palavras (Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo; Hoje estarás comigo no Paraíso (para o ladrão crucificado ao seu lado); Tenho sede; Está consumado). As cenas como carregar a Cruz, os soldados dividindo as vestes, Pedro negando três vezes. Tudo isso parece altamente significativo, inevitável, previsível, cumprindo o destino – mas inexplicado e inexplicável.  

Uma explicação é que a descrição é não apenas uma narrativa histórica mas uma memória coletiva filtrada pela experiência presente do Jesus Ressuscitado. É como se o próprio Jesus nos contasse a história: não para dar explicações, mas para nos trazer para perto dele por nossa livre escolha. 

Por que contar a história se ele não tivesse ressuscitado?

Na liturgia da Sexta-Feira Santa – como um despertar global repetido anualmente – existe uma leitura da Paixão que termina em seu sepultamento. Mas a surpreendentemente eloquente explicação é a Veneração da Cruz. As pessoas são convidadas a aproximarem-se em silêncio – se assim quiserem – e ajoelhar, ou beijar, ou simplesmente tocar a madeira da cruz em silêncio. 

Quando eu o faço, eu sinto – talvez como todos que fazem a adoração – como se fosse alguma coisa definitiva e autêntica e não preciso explicar isso. Não precisamos justificar o que amamos. Mais importante do que a explicação é o real encontro com a real pessoa em um novo tipo de realidade.


Texto original

Good Friday

From childhood, the gospel descriptions of the last days and hours of Jesus’ life have gripped and fascinated me as something of supreme importance and meaning. Each part of the story is part of me. As we prepare for good Friday here at Bonnevaux after a rather fun Holy Thursday celebration, it could feel like ‘well this is life’: celebration today, bad news or worse tomorrow. Does it have any meaning, this cycle of joy and misery? Or is it just about accepting what we have to? But, asking that feels like missing the point, looking for explanations where none exist.

When you can’t explain something, give statistics. Overall, the gospels give a disproportionate amount of space to describing these last hours: 30% of all the gospel texts about this 33-year-old man is given to his last two or three days. John, the deepest gospel gives 43% and 40% from Mark, the shortest and first gospel. It feels better to have measured it even though the gospels still do not give any explanation of its meaning. Why is his death so important? Why couldn’t more of his earlier life, his personality, especially his teachings, have been included and the last moments reduced?

So, although the Good Friday is so significant to me I cannot easily say why. What I was taught originally – Jesus died for us because of original sin – is the classic ‘atonement theory’. Even when I was young it didn’t convince me although I didn’t argue with it. Wittgenstein, who believed the Resurrection could only be understood by love, said that ‘whereof we cannot speak we must remain silent.’

I’ll squeeze in a few more words to explain why this response of silence can be applied to the attempt to explain the death of Jesus. First, that the details are unforgettably powerful – the last words (Father forgive them for they know not what they do; Today you will be with be in paradise (to the thief crucified beside him); I am thirsty; It is accomplished.) The scenes like carrying the cross, the soldiers casting lots, the triple denial of Peter. They all seem highly significant, inevitable, predictable, fulfilling destiny but unexplained and inexplicable.

One explanation is that the description is not just an historical narrative but a collective memory filtered through the present experience of the Risen Jesus. It is as if Jesus is telling the story himself: not to give explanations but to draw us closer to himself by our free choice.

Why tell the story at all if he had not risen?

In the Good Friday liturgy – like a global wake repeated annually – there is a reading of the Passion that stops at his burial. But the stunningly eloquent explanation is the Veneration of the Cross. People are invited to come up in silence – if they wish – and kneel before, or kiss, or simply touch the wood of the cross in silence.

When I do, I feel – perhaps like all who come forward – as if it is something definitive and authentic and I don’t need to explain it. We don’t have to justify what we love.  More important than an explanation is a real encounter with a real person in a new kind of reality.

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