carta 34 – Entendendo o ego ferido
Aprender a entender o “ego ferido” é muitas vezes visto como [algo] “meramente psicológico”, não como algo essencial para o caminho espiritual. Mas que a psicologia e a espiritualidade são duas abordagens diferentes da condição humana e têm pouco a ver uma com a outra é uma crença equivocada. A psicologia lida com o conhecimento sobre a psique, a alma, e os primeiros cristãos consideravam o espírito como o ponto mais alto da alma; juntos formam um todo. O processo de transformação que ocorre na jornada da meditação apoia-se espiritualmente tanto em um nível inconsciente quanto em um nível consciente. Os insights que o Cristo interior, nosso verdadeiro “eu”, nos proporcionam, levam a um processo psicológico de autoconhecimento cada vez maior e, consequentemente, [ao] crescimento da consciência de nosso ser espiritual essencial, nosso vínculo com o Divino.
É por isso que Mestre Eckhart, como muitos santos e sábios, aponta que “A realidade que chamamos Deus tem primeiro que ser descoberta no coração humano; além disso, não posso vir a conhecer a Deus se não me conhecer”. Espiritualidade e psicologia andam de mãos dadas. Se ignorarmos o psicológico, a meditação pode muito bem se tornar uma maneira de suprimir nossas feridas em prol da paz ilusória, o que impedirá que o crescimento espiritual real aconteça. É assim que podemos interpretar o seguinte ensinamento de Jesus: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” (Lucas 9:23)
Nós “tomamos nossa cruz” quando enfrentamos o sofrimento diário de nossa ferida e, ao fazê-lo, morremos para o domínio do ego. Ao passarmos lentamente do egocentrismo para o outrocentrismo, “vamos com ele” e renascemos, por assim dizer. Então, não estamos mais agindo a partir de nossas necessidades egocêntricas, mas de nosso centro espiritual, nosso verdadeiro “eu” em Cristo.
Vamos dar uma outra olhada na parte psicológica da jornada. Vimos como nossas imagens, sejam de nós mesmos ou de Deus, podem ser um sério bloqueio no caminho da meditação. Se permanecermos inconscientes dessas imagens “falsas”, elas escondem não apenas quem realmente somos, mas também formam o véu que obscurece a Realidade Divina. No Evangelho de Tomás, Jesus nos chama de “cegos” e “bêbados” quando estamos operando apenas no nível do “ego” ferido. O filósofo grego Heráclito descreveu isso assim: “A humanidade é tão inconsciente do que faz quando está acordada quanto do que faz quando está dormindo”. Precisamos despertar. Temos que sair da prisão do ‘ego’ ferido. Precisamos tomar consciência de quem realmente somos: filhos de Deus e templos do Espírito Santo.
Enfrentar impulsos inconscientes e emoções reprimidas realmente é como tomar “a nossa cruz”, um passo difícil, mas ainda assim muito importante a ser dado. Mas há também um perigo – o perigo de nos encantarmos demasiadamente com a nossa “história”. Quando não tomamos cuidado, o “ego” encoraja nosso fascínio e interrompe nosso crescimento na verdadeira consciência, certificando-se assim de que não estamos saindo de sua esfera de influência. Esquecemos a razão pela qual estamos fazendo tudo isso em primeiro lugar – que estamos em uma peregrinação da mente ao coração, onde Cristo habita. John Main coloca isso sucintamente em seu livro The Door to Silence:
“As pessoas muitas vezes estão interessadas no que a meditação pode ensiná-las sobre si mesmas. É fácil para nós vermos tudo em termos de autoaperfeiçoamento, autoterapia e autocompreensão. Há valor nisso. Mas o autofascínio pode ser desastroso para a jornada espiritual. Há o perigo de que, depois de começarmos a meditar, vejamos que estamos nos entendendo melhor e então sejamos desviados da autotranscendência para a autofixação. Descobriremos eventualmente que deixamos a peregrinação para o conhecimento unitário e a sabedoria. Acabamos presos no conhecimento limitado de nossa separação. Ficamos tão encantados com nossa própria operação mental que esquecemos que estamos em peregrinação para o mistério de Deus. A essência do evangelho é a essência da meditação: não a autoanálise, mas a autotranscendência. “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo.” (Lucas 9:23)
Há algo de árduo e exigente nesta jornada. É preciso coragem para tirar a atenção de si mesmo. (pág. 29/30)
Kim Nataraja