carta 33 – Quem sou eu?
“Quem sou eu?” é uma pergunta com a qual nos deparamos em diferentes momentos de nossa vida, especialmente quando a vida muda drasticamente para nós. Isso é especialmente pungente quando nosso senso de identidade tem dependido de apenas um aspecto, o qual foi importante em nossa avaliação de quem somos e que valor temos. Perder o emprego, aposentar-se ou os filhos saírem de casa pode ter um efeito devastador. Perder o que considerávamos nosso papel na vida é como estar sem máscara, sem nada de real por baixo. A mudança abrupta, então, pode causar perplexidade e depressão.
Esquecemos quem realmente somos no fundo. Quem você acha que é? Nós realmente não sabemos quem somos. Baseamos nossa identidade apenas em fatores superficiais e externos. Somos como Nasrudin na história sufista que entrou em um banco para descontar um cheque. Quando lhe pediram para se identificar, ele pegou um espelho e olhou para ele e disse: ‘Sim, sou eu mesmo’.
Assim como a influência de nosso ambiente inicial sobre quem pensamos ser, o condicionamento cultural e suas imagens associadas são igualmente influentes. Buscamos um senso de identidade em tudo o que nos rodeia: reações de outras pessoas, nosso ambiente cultural, nossos relacionamentos, nossos pensamentos, emoções e os papéis que desempenhamos na vida. Tudo isso nos dá uma noção clara de quem somos. Essa autoimagem claramente definida nos faz sentir no controle e nos dá uma sensação de permanência e segurança. No que diz respeito à influência cultural, somente quando deixamos a cultura e a sociedade em que fomos criados e nos encontramos com diferentes pessoas, tomamos consciência de sua influência generalizada em nossos pensamentos e comportamentos. Eles determinam o que achamos louvável ou culpável.
Até mesmo o significado que atribuímos à nossa vida é muitas vezes culturalmente moldado. Freud chamou de “superego” as restrições impostas pelos condicionamentos na família e na sociedade. Uma prática regular de meditação ajuda a quebrar esse domínio sobre nossa mente e estarmos abertos a outras interpretações pois, da quietude e do silêncio em nosso centro, ouvimos a voz de nosso verdadeiro “eu”, o que nos dá insight e energia para questionarmos esses preconceitos e suposições. Mas a imagem que temos de nós mesmos, a imagem que temos dos outros e do mundo em que vivemos, se altera constantemente e é moldada por nossos pensamentos e emoções em constante mudança – nem mesmo nossos próprios pensamentos e emoções, mas muitas vezes os dos outros que impensadamente fizemos nossos. Filtramos tudo o que nos acontece através desta rede intimamente entrelaçada. A neurociência contemporânea, de fato, identificou uma parte específica do lado esquerdo do cérebro como o centro que fabrica, a partir dos fatos percebidos dados, um senso de identidade plausível, mas não necessariamente verdadeiro – nosso spin doctor (“marqueteiro”) embutido.
Se essas marcas foram positivas, temos autoconfiança e coragem para enfrentar os desafios da vida. Mas se foram negativas, porque outros nos disseram que éramos fracassados, fracos, não suficientemente bons, nos sentimos vítimas do comportamento dos outros, não temos fé em nossas próprias capacidades, quaisquer que sejam os esforços futuros que nos mostrem o contrário. Na verdade, imagens falsas podem ser muito destrutivas. Além disso, a projeção de certas imagens equivocadas e sua energia associada atrairá eventos e pessoas que confirmam essa opinião equivocada que temos de nós mesmos – uma profecia autorrealizável.
Quando nos tornamos inicialmente conscientes de como nossos pensamentos condicionados podem determinar totalmente a vida que levamos, podemos sentir que não somos nada mais do que um produto da genética e do condicionamento, ou seja, da criação e da natureza, e a liberdade parece uma miragem. Mas o importante a ter em mente é que é apenas o “ego” que é tão afetado; o “eu” permanece livre.
Além disso, temos a opção de não reagir de forma habitual. Um subproduto da meditação é a consciência de que somos muito mais do que pensamos ser. Percebemos que o “ego” não é tudo o que existe em nossa consciência. Sentimos que é apenas a superfície consciente de uma totalidade muito mais ampla do ser. Quando podemos ouvir a voz interior do “eu” em vez da superfície tagarela do “ego”, insights são fornecidos sobre as raízes de nossa conduta atual. Uma vez que nos tornamos conscientes disso, estamos um passo mais perto de afrouxar os laços que nos prendem.
Uma atitude de desapego do comportamento do “ego”, um leve distanciamento, cria uma brecha entre o estímulo e a resposta, uma brecha na qual podem ser feitas escolhas sobre como reagir. Tomamos consciência do fato de que essas respostas cegas foram determinadas em um certo tempo e lugar e, muitas vezes, não são mais relevantes. Isso é liberdade real. Podemos romper com sua implacável inevitabilidade; o modelo estabelecido pode ser afrouxado, as estruturas defensivas habituais podem ser removidas e uma resposta criativa livre é possível.
Kim Nataraja