Carta 32 – Integração de Duas Formas de Ser
Cara(o) Amiga(o)
Na semana passada nós refletimos sobre o significado do Reino. Laurence Freeman em seu livro “Jesus, o Mestre Interior”, afirma: “O Reino é a liberdade de qualquer dominação interna ou externa: ‘a liberdade gloriosa dos filhos de Deus.’ É o poder de Deus fluindo livremente em toda dimensão humana, seja social ou pessoal. É a plenitude do indivíduo tanto como um indivíduo único quanto como parte de um todo que é indivisível com todos os outros indivíduos. É o fim das tragédias de alienação e isolamento, as duas causas mais poderosas de sofrimento, e de comportamento desumano.” Ao ler isso, poderíamos sentir que esse é um estado que apenas santos poderiam experimentar, não algo acessível para mim, ou para você. E, no entanto, como veremos, quando éramos muito jovens nós de fato vivíamos neste estado.
Deus nos deu tudo o que precisamos para a nossa existência nesta terra, não apenas para sobreviver, mas também para nos conectarmos com o Divino de onde viemos. Nosso cérebro é um bonito instrumento para fazer isso, para sintonizar os diferentes níveis da consciência, as várias realidades que nos cercam. Minha filha, a Dra. Shanida Nataraja, em seu livro “The Blissful Brain” (O Cérebro Bem-aventurado, em tradução livre) explica que existem duas metades em nosso cérebro e ela descreve suas funções da seguinte forma: A metade esquerda do cérebro tem um centro – o Ego – que interpreta as impressões dos sentidos, estímulos emocionais e intelectuais, esses que vêm do mundo externo, e usa linguagem, lógica e habilidades analíticas para compreender as coisas. O seu principal objetivo é o de nos proteger de qualquer coisa que possa interferir com a nossa capacidade de sobreviver neste mundo como um indivíduo solitário. Esta parte do cérebro irá ignorar totalmente qualquer coisa que não se ajuste à matriz de sobrevivência. A metade direita do cérebro também tem um centro – o Eu – que enxerga todo o contexto, como a consciência ampla que inclui o ego. Ela enxerga o indivíduo no contexto da totalidade do todo interconectado, incluindo toda a humanidade e criação – tudo isso suportado pelo Divino. Esta parte do cérebro também tem sentidos, os sentidos interiores de intuição e imaginação criativa. Por causa da sua visão abrangente, que inclui as emoções, o cérebro direito adiciona ao contexto empatia, compaixão, cuidados para a sobrevivência dos outros e da criação – é a fonte do nosso ser espiritual e a nossa conexão para o Divino.
O fato de termos a capacidade inata de nos conectarmos com a nossa Fonte é comprovado pelas pesquisas de neurociência e ondas cerebrais. Foi demonstrado que as crianças menores de 2 anos ainda vivem prioritariamente em seus cérebros direitos, isso evidenciado pela presença dominante de ondas alfa; o que explica a empatia, o amor, a compaixão e a imaginação criativa vívida que caracteriza uma criança. Portanto, uma criança pequena ainda existe de forma completa em contato com o todo, ainda conectada a Deus, ainda vive no Reino. Na consciência comum dos adultos as ondas beta do cérebro esquerdo dominam ativamente, como todos nós vivenciamos na constante confusão de pensamentos que ocupam nossas mentes. A mudança de visão do mundo a partir do cérebro direito para o cérebro esquerdo acontece gradualmente entre os 2 e 5 anos de idade; a partir de então a sociedade e a educação colocam ênfase no jeito de ser do cérebro esquerdo e a visão do lado direito não é incentivada.
A conexão, no entanto, nunca é interrompida, apenas fica desconectada em diferentes níveis. E nós temos o potencial de religar esta conexão, uma vez que é uma parte natural que foi dada divinamente à nossa natureza humana. De fato, é algo que Jesus nos encoraja a fazer: “Eu asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos Céus.” (Mt 18,3)
Shanida também ressalta o papel da meditação nesta reconexão com nossa consciência mais ampla: meditação, através da sua atenção direcionada ao mantra, nos transforma de um jeito de ser do lado esquerdo do cérebro para um jeito de ser do lado direito do cérebro. Para alguns de nós este mecanismo de mudança enferrujou com o tempo, mas para as crianças o acesso permanece fácil; e, é por isso que elas gostam de meditação, assim como os patos gostam da água.
É claro que precisamos ter a capacidade de cuidar da nossa própria sobrevivência e também a das outras pessoas. Nós precisamos dos dois lados do nosso cérebro; eles podem ser diferentes, mas certamente são complementares. A sua cooperação é essencial para o nosso bem-estar, nosso senso de harmonia e equilíbrio. Isso dá sentido à nossa vida, o que infelizmente falta quando vivemos exclusivamente a partir do nosso cérebro esquerdo. Aqui também a meditação ajuda: ela encoraja um aumento da conectividade entre as duas metades do cérebro. Ao fazer isso, facilita a mudança de um modo de ser para o outro. Simplesmente ao repetir nossa palavra com amor e fé nós colocamos um fim nas “tragédias de alienação e isolamento” e permitimos a nossa entrada no Reino.
Kim Nataraja
Até a Próxima Semana
Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL