carta 36 – Terceiro nível de consciência
Quando conseguimos reconhecer e aceitar o que vem à tona, por mais doloroso que seja, chegamos a um nível mais profundo, o terceiro nível de consciência. John Main chamou isso de: “o nível do silêncio, onde vemos com admiração a luz de nosso próprio espírito” e “onde entramos em contato com o chão de nosso ser” (A Palavra que leva ao Silêncio). Laurence Freeman explica que, antes de experimentarmos esse contato feliz, tomamos consciência da última barreira do “ego” – “o sentido nu do ego de sua própria existência finita [que] é como uma parede de tijolos que não podemos superar por nós mesmos. No tempo de Deus e por um dom gratuito, uma abertura aparece no muro do egoísmo. Nessa abertura de autotranscendência, deixamos o eu para trás e encontramos nosso verdadeiro eu em Cristo”. (Sharing the Gift p.65)
Esta última barreira provoca em nós uma profunda tristeza, causada por nossa percepção ilusória de que estamos separados de Deus. João da Cruz chamou isso de “a noite escura da alma”. Mas percebemos pela graça que esta é uma falsa percepção – estamos sempre integralmente conectados com a Realidade Divina – e então, como o hino Amazing Grace diz tão lindamente: “Eu estive perdido, mas agora fui encontrado, era cego, mas agora eu vejo”. Então percebemos que o muro é de nossa autoria e ele desaparece, enchendo-nos de alegria e paz da união.
Esses três níveis que estamos considerando não são níveis diferentes, separados, mas três aspectos de nossa consciência, que se desdobram no devido tempo. Na meditação, continuamos tocando esses aspectos em diferentes estágios de nossa jornada de forma espiralada. Continuamos aprendendo e crescendo (e às vezes regredindo temporariamente). Quanto mais entramos no silêncio e na quietude da meditação, mais deixamos para trás nossas distrações, mais compreendemos nossas feridas emocionais através do dom do insight e mais somos curados, tornados inteiros. O “ego” e o “eu” estão cada vez mais se comunicando e se integrando, apoiando- se mutuamente. Precisamos de ambos os modos de ser e perceber a realidade para podermos experimentar a “vida em toda a sua plenitude”.
Com o desapego de nosso condicionamento e o desapego da necessidade de usar o mundo e as outras pessoas como adereços emocionais, finalmente somos capazes de “deixar a nós mesmos para trás” e estender a mão aos outros e a Deus. Surge uma maneira diferente de conhecer, uma compreensão intuitiva mais clara: agora percebemos em um nível intuitivo com o “Olho do Coração”, quando vemos “a realidade como ela é, infinita”, como disse Blake. Nossa maneira comum de lidar com o mundo antes desse desenvolvimento era ver a realidade com o “Olho da Carne”. A ênfase estava em nossa experiência no mundo material, o mundo dos sentidos: éramos cientistas, coletando dados. Então procuramos padrões e tentamos dar sentido ao que percebíamos, usando o “Olho da Mente”, o nível racional.
O famoso cientista do nosso tempo Stephen Hawking opera ao nível do “Olho da Carne” e do “Olho da Mente”. Como cientista racional, ele acha que tudo pode ser entendido com a mente racional, até mesmo Deus: “No entanto, se descobrirmos uma teoria completa, ela deve com o tempo ser compreensível em princípio amplo por todos, não apenas por alguns cientistas. Então todos nós, filósofos, cientistas e apenas pessoas comuns, poderemos participar da discussão da questão de por que é que nós e o universo existimos. Se encontrarmos a resposta para isso, seria o triunfo final da razão humana: então conheceríamos a mente de Deus.”
No entanto, talvez Stephen Hawking possa, desde que escreveu isso, agora concordar com Albert Einstein, que enfatizou a importância do “Olho do Coração”: “o fator realmente valioso é a intuição” e “a experiência religiosa cósmica é a força motriz mais forte e nobre por trás da pesquisa científica”. São Paulo também chamou a atenção para ver com os “olhos do coração”: “Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, lhes dê um espírito de sabedoria que lhes revele Deus, e faça que vocês o conheçam profundamente. Que lhes ilumine os olhos da mente, para que compreendam a esperança para a qual ele os chamou; para que entendam como é rica e gloriosa a herança destinada ao seu povo”. (Efésios 1:17-18).
Também Santo Agostinho sublinha a importância do ver intuitivo: “Todo o propósito desta vida é restaurar a saúde, o olho do coração pelo qual Deus pode ser visto”. Nessa fase do nosso crescimento, os três níveis de conhecimento estão integrados. Isso pode acontecer de repente, ou ao longo do tempo no silêncio e quietude. Então chegamos ao “conhecimento puramente espiritual, lá ouvimos sem nenhum som e vemos sem matéria”. (Mestre Eckhart)
Kim Nataraja