Carta 49 – Comunhão ou União

Cara(o) Amiga(o)

Os primeiros Padres da Igreja não tinham nenhuma sombra de dúvida de que a união com o Divino é possível a todos: “Deus é a vida de todos os seres livres. Ele é a salvação de todos, sejam eles crentes ou descrentes, do justo e do injusto, do piedoso e do ímpio, daqueles libertos das paixões e daqueles capturados por elas, de monges ou daqueles que vivem no mundo, dos educados e dos analfabetos, dos sãos e dos enfermos, dos jovens e dos velhos.” (Gregório de Nissa).

A razão para isso é encontrada em sua teologia. Os filósofos gregos, Platão em particular, foram os primeiros a formular a ideia de termos algo essencial em comum com o Divino. Chamavam de “nous”, inteligência intuitiva pura, para distingui-la da inteligência racional. Conforme a ideia predominante no pensamento primitivo, de que apenas “semelhante conhece semelhante”, ter algo semelhante ao Divino dentro de nós permite-nos conhecer o Divino.  Nossa experiência cotidiana também confirma isso. Somente quando temos algo substancial em comum com outra pessoa, podemos realmente nos relacionar com ela, podemos ser um em mente e alma.

O Padre da Igreja primitiva, Clemente de Alexandria, via a correspondência entre o conceito de “nous” e aquele expresso no Gênesis, o de sermos criados à “imagem de Deus”.  A “imagem” era para eles comparável ao “nous”.  Seguindo-o, Orígenes, os Padres Capadócios, Evágrio e, mais tarde ainda, Mestre Eckhart, todos viram essa “imagem de Deus” como prova definitiva da nossa unidade original e essencial com Deus. A razão pela qual podemos tocar e ser tocados por essa suprema realidade transpessoal, é a de que há algo dentro de nós que é semelhante a essa realidade.  A mesma convicção encontramos também nas palavras de Jesus: “O Reino de Deus está dentro de vós e entre vós” (Lc 17, 21). São Paulo diz na sua primeira carta aos Coríntios: “Não sabeis que o vosso corpo é o templo habitado pelo Espírito Santo?” (1 Cor 6,19). A meditação nos ajuda a experienciar, de fato, esta realidade, esta força viva, como Cristo em nosso interior, energizando, curando, transformando e conduzindo-nos a uma consciência, integridade e compaixão, cada vez maiores.

A similaridade sempre foi aceita no seio do Cristianismo, a alma como um espelho de Deus, mas a identidade total tem sido muitas vezes contestada. No entanto, ouvimos no “Evangelho de Tomé”: “Quem beber da minha boca tornar-se-á como eu; eu mesmo passo a ser essa pessoa, e as coisas ocultas serão reveladas a essa pessoa”.  No “Evangelho de João” encontramos a bela oração da unidade, de Jesus: “a fim de que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, … para que sejam um, como nós somos um”. (Jo 17, 21).

Constantemente, místicos que experienciaram essa identidade e falaram sobre ela eram vistos com desconfiança. Mestre Eckhart falou sobre o nascimento da “Palavra” na alma, com a intenção de expressar a compreensão da consciência de Cristo dentro de nós, que é o nosso elo com o Divino: “Da mesma forma, eu tenho muitas vezes dito que há algo na alma que é tão intimamente relacionado a Deus que é um com ele e não está apenas unido a ele.”  Santa Teresa de Ávila falou no “Castelo Interior”, a respeito da sétima morada do casamento espiritual, como sendo um estado permanente de união espiritual para além do arrebatamento, uma unidade total.

No entanto, é de comunhão em vez de união, que estamos falando no Cristianismo.  Não é considerada uma fusão total, porém “não há nenhuma dúvida de que o indivíduo perde o senso de separação do Uno, e experiencia uma unidade total, mas isso não significa que o indivíduo deixe de existir.  Assim como cada elemento da natureza é um reflexo singular da Realidade una, também cada ser humano é um centro singular de consciência na consciência universal” (Bede Griffiths “O Casamento do Oriente e do Ocidente”).  

(extraído do livro Dancing with your Shadow de Kim Nataraja)

Até a Próxima Semana

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

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