carta 8 – Bênção Original

A firme convicção de John Main de que “Jesus enviou seu Espírito para habitar dentro de nós, fazendo de todos, templos de santidade: Deus habitando em nós… Sabemos então, que compartilhamos da natureza de Deus” foi compartilhada pelos Padres da Igreja Primitiva e traz à tona o fato de que somos, portanto, essencialmente bons. Como não ser, se Deus está habitando dentro de nós? Todos os Padres da Igreja Primitiva concordavam com Clemente de Alexandria que dizia: “A palavra de Deus se tornou homem, para que pudéssemos aprender de um homem como nos tornarmos Deus”.

Contudo, em meados do século IV DC surgiu uma visão oposta da criação: Deus criou tudo do nada em um dado momento específico – o dogma da ‘creatio ex nihilo’. Concluiu-se então a partir daí que não havia um terreno comum entre Deus e a humanidade, mas sim um abismo intransponível entre os dois – nossa “imagem” tinha sido irreparavelmente danificada na Queda e somente a graça de Deus através de Cristo poderia nos salvar. Não havia nada que pudéssemos fazer para recuperar nossa “semelhança com Deus” e até mesmo a oração contemplativa era inútil. Essa visão fez com que as duas vertentes do cristianismo que estamos explorando se afastassem ainda mais e, novamente, aqueles que
defendiam a oração contemplativa foram derrotados.

Santo Agostinho (354-430) formulou esta posição no dogma do “pecado original”: homens e mulheres são basicamente pecadores e até a própria criação é falha. A graça de Deus não pôde restaurar a humanidade e a criação ao seu estado original de bondade essencial. Este se tornou o ensinamento oficial da Igreja. A vida basicamente era vista como uma batalha contra os demônios e era necessária uma vida de penitência.

No entanto, essa visão negativa da humanidade e da Criação vai contra as palavras do Gênesis e do ensinamento dos três primeiros séculos da era cristã – além de não estar de acordo com o ensinamento de Jesus. Nessa primeira visão, a contemplação da criação – uma manifestação perfeita de Deus – era considerada o primeiro passo na ascensão a Deus. E isto está em desacordo com o belo ensinamento místico de Santo Agostinho.

É interessante notar neste ponto – dado o antepassado celta de John Main – que na tradição celta a ênfase permanece na imagem de Deus dentro de nós, ou seja, em nossa bondade essencial e na beleza e perfeição da Criação. Foi a Criação e as Escrituras que manifestaram o Divino e nos conduziram a Deus, como foi dito por Clemente de Alexandria: “Cristo nos diviniza por meio de seus ensinamentos celestiais”. Desse modo
John Main está de acordo com os primeiros padres cristãos e com a tradição celta.

Todavia, a crença de que somos basicamente pecadores permaneceu predominante ao longo dos séculos até os dias de hoje. Essa foi a razão pela qual John Main lamentou tanto que homens e mulheres modernos “perdessem o apoio de uma fé comum em sua bondade essencial, razoabilidade e integridade interior”.

A meditação, a oração contemplativa, leva-nos novamente à consciência “do potencial do espírito humano mais do que das limitações da vida humana”. Embora sejamos essencialmente bons, é claro que não somos sem pecado. Nosso ego, o modo de sobrevivência do eu dado por Deus, comete pecados. A melhor maneira de recuperar nossa ‘semelhança a com Deus’ é seguir o encorajamento de Jesus para deixarmos todas as coisas para trás, ou seja, deixarmos nosso ego ferido para trás com todos os seus pensamentos e suas necessidades não satisfeitas que criam um véu de ilusão, escondendo nosso centro essencialmente Divino. No silêncio há cura. Então, “procuramos segui-lo na pureza de nosso coração”, como John Main explica em ‘A Palavra que Leva ao Silêncio’. “Isso não é algo que fazemos por nosso próprio esforço.

Para John Main e os primeiros cristãos, Cristo é nosso mediador e guia, a ponte entre a criação e o Criador. Na oração contemplativa nos unimos à sua oração, levando-nos para casa, pois há apenas “uma só oração, o fluxo de amor entre o Espírito de Jesus ressuscitado e seu Pai, no qual
estamos incorporados”.

Kim Nataraja

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