Carta 27 – Aceitando o Desafio
Cara(o) Amiga(o)
E, no entanto, obter autoconhecimento é uma tarefa difícil. “Mesmo com o ‘rabbuni’ tão perto – mais perto de nós do que nós mesmos de acordo com Santo Agostinho – o poder do autoengano e da ilusão pode ser esmagador. Frequentemente, o caminho desaparece abaixo de nós enquanto lutamos com os demônios da raiva, do orgulho, do medo, da ganância e da ignorância.” Laurence Freeman nos lembra disto em ‘Jesus, o Mestre Interior’.
Aqueles de vocês que têm seguido estes ‘Ensinamentos Semanais’ regularmente, se lembrarão dos ensinamentos de Evágrio, o padre cristão do deserto do século IV. Ele, juntamente com todos os primeiros mestres cristãos, estava muito ciente das artimanhas do ‘ego’. Ele via isso como uma luta contra os ‘demônios’, as tendências negativas provenientes de nosso ‘ego’ ferido. O ‘ego’ ferido me lembra o comportamento de crianças mimadas, determinadas a obter o que sentem que lhes foi negado no passado. Neste caso, algumas das necessidades de sobrevivência que são essenciais para a nossa existência continuada – amor, segurança, estima, poder, controle e prazer.
Se, em nossa percepção, alguma dessas necessidades não foi atendida, total ou parcialmente, buscamos suprir essa carência por toda a vida. Desta intenção vêm os ‘demônios’ que Laurence Freeman menciona na citação acima.
Evágrio e seus contemporâneos também viram os principais ‘demônios’ que nos conduzem, como a ‘ganância’ e o ‘orgulho’, junto com todos os outros ‘demônios’ que logicamente se seguem a partir desses dois. A necessidade normal, comum e aceitável de ter o suficiente para a sobrevivência torna-se um impulso avassalador, por exemplo, a “ganância” por possuir coisas e pessoas. A partir desse impulso vem inevitavelmente a ‘raiva’ (e inveja) por aqueles que têm o que nos falta. O ‘orgulho’ vem logo depois: queremos mostrar nossas posses e conquistas. Não é difícil ver que esses ‘demônios’ estiveram desenfreados não apenas no século IV, mas também em nosso tempo.
Tudo isso aponta para nossa necessidade de ouvir os conselhos dos mestres espirituais: tomar consciência de nossos motivos e assim entender nosso ‘ego’. Se não aceitarmos que chegar ao autoconhecimento é parte do caminho espiritual, podemos meditar por muitos anos e ainda assim não sermos transformados por isso.
A transformação, que nos torna quem devemos ser, requer que estejamos abertos ao chamado do Cristo que habita em nós, requer que aceitemos os insights que vêm de lá, por mais dolorosos que sejam. Caso contrário, podemos permanecer com as mesmas ilusões por muitos anos. A tentação, neste caso, é usar a meditação puramente como relaxamento e parar por aí, fechando os ouvidos a qualquer ajuda vinda de dentro.
Desse modo a meditação pode se tornar uma forma de escapar aos nossos problemas e continuar a suprimir partes de nossa natureza com as quais não gostamos de ser confrontados. É claro que fugir para um mundo de sonhos e fantasia é mais agradável do que encarar o modo como as coisas realmente são. Mas, a mudança e a transformação só acontecerão por meio da abertura a percepções oferecidas com amor, e da disposição de reconhecer e aceitar a nós mesmos, com nossas falhas e tudo o mais. Como são verdadeiras as palavras de Sócrates: ‘A vida não examinada não vale a pena ser vivida’.
Kim Nataraja
Até a Próxima Semana
Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL