Quarta semana da quaresma 2024

Quarta-feira da Quarta Semana da Quaresma

Por Laurence Freeman OSB

Ao longo do seu ensinamento, Jesus diz especificamente aos seus ouvintes para abandonarem o seu estado habitual de ansiedade. Ele os exorta a “acalmar seus corações perturbados e abandonar seus medos.” Na mesma linha, São Paulo diz às suas comunidades cristãs incipientes que o guia e a bússola de toda a sua vida de sentimento e ação deve ser a paz de Deus que está “além da compreensão”, em vez de conflito e desânimo incessantes. Não devemos e não precisamos viver oprimidos pelo medo e pelo estresse, pela ansiedade, pelo pavor ou pelo pânico.

Vivendo numa época de ansiedade que atinge níveis que estão ligados a doenças físicas e mentais crônicas, depressão, obsessão e incapacidade de concentração, insônia e problemas digestivos, podemos ouvir Jesus, agradecer-lhe pelas belas palavras e pensar “bem, isso é fácil para você dizer”.

Na verdade, ele não está dando conselhos, mas sim um ensinamento confiável e um desafio para fazer uma jornada que parecerá longa e difícil. Ele indica como isso pode ser alcançado: abraçando o dom da paz que promete deixar quando partir. Uma paz “tal como o mundo não pode dar” – a redução de curta duração do estresse criado pela autodistração e pelo consumo excessivo – mas a sua própria paz. Mas como você pode dar paz a outra pessoa que seja mais do que um braço reconfortante em volta do ombro? Ele parece estar falando de uma transmissão direta e direcionada, cara a cara, de coração a coração, de uma energia infinitamente renovável.

Para receber esta transmissão não temos mais nada a fazer senão abrir-nos a ela e confiar nela antes que ela apareça. Às vezes, porém, o medo prende-nos num pessimismo paralisado e autoprejudicial, do qual não conseguimos escapar. Acabamos desejando consolo em vez de desejar transformação. Não admira que a injunção para transcender as garras do medo seja o primeiro passo da jornada espiritual em todas as tradições. O “temor de Deus”, conforme traduzido da Bíblia, não significa medo no sentido de esperar punição. O temor de Deus – temor, admiração e paz – é a cura para o medo que nos impede de fazer a jornada humana.

O poeta sufi Attar escreveu uma alegoria desta viagem a Deus chamada “Conferência dos Pássaros”. Todo tipo de pássaro vem para uma reunião e decide percorrer os sete vales para encontrar o rei, chamado Simurgh. A palavra ‘simurgh’ significa literalmente “trinta pássaros”.  À medida que a hora da partida se aproxima, a maioria encontra desculpas para não ir. Dos que partiram, muitos voltam. No final, apenas trinta pássaros enlameados chegam ao palácio do rei, tendo passado a maior parte de suas vidas na viagem. Eles são recebidos por um servo que lhes diz que não são dignos de entrar e voltar para casa. Mas quando insistem, ele lhes diz que, mesmo que entrem, a glória do rei os reduzirá a nada. Eles respondem que uma mariposa deseja ser uma com a chama pela qual é atraída. Os trinta pássaros entram na presença do Simurgh e ao vê-lo percebem que ele é “eles próprios”.

Eles vêem o Simurgh – para si mesmos eles olham
E vêem um segundo Simurgh parado ali
Eles olham para ambos e veem que os dois são um.

A paz além da compreensão e o fim do medo é o desaparecimento da dualidade.


Texto original

Throughout his teaching Jesus specifically tells his listeners to abandon their habitual state of anxiety. He urges them to ‘set your troubled hearts at rest and abandon your fears.’ In the same vein, St Paul says to his fledgling Christian communities that the guide and compass of their whole life of feeling and action should be the peace of God which is ‘beyond understanding’, rather than ceaseless conflict and dejection. We should not and need not live oppressed by fear and stress, anxiety, dread or panic.

Living in an age of anxiety reaching levels that are linked to chronic physical and mental illness, depression, obsessiveness and inability to concentrate, insomnia and digestive problems, we might listen to Jesus, thank him for the nice words and think ‘well that’s easy for you to say.’

In fact, he is not giving advice but an authoritative teaching and a challenge to make a journey that will seem long and hard. He indicates how this can be achieved: by embracing the gift of peace that he promises to leave behind when he has gone. A peace ‘such as the world cannot give’ – the short-lived reduction of stress created by self-distraction and over-consumption – but his own peace. But how can you give peace to another person that is more than a comforting arm around the shoulder? He seems to be speaking about a direct and targeted transmission, face to face, heart to heart, of a boundlessly renewable energy.

To receive this transmission we have nothing else to do except open ourselves to it and trust it before it appears. Sometimes, however, fear locks us into a paralysed, self-harming pessimism which we cannot escape. We end up craving consolation rather than desiring transformation. No wonder the injunction to transcend the grip of fear is the first step of the spiritual journey in all traditions. The ‘fear of God’ as it is translated from the Bible doesn’t mean fear in the sense of expecting punishment. The fear of God – awe, wonder and peace – is the cure for the fear that blocks us from making the human journey.

The Sufi poet Attar wrote an allegory of this journey to God called the ‘Conference of Birds’. Every kind of bird comes to a meeting and decide to set out across the seven valleys to find the king, called the Simurgh. The word ‘simurgh’ means literally ‘thirty birds’. As the time of departure approaches most find excuses not to go. Of those who set out many turn back. In the end only thirty bedraggled birds arrive at the king’s palace having spent most of their lives on the journey. They are met by a servant who tells them they are unworthy to enter and to go home. But when they insist, he tells them that, even should they enter, the glory of the king will reduce them to nothing. They reply that a moth desires to be one with the flame it is attracted to. The thirty birds enter the presence of the Simurgh and seeing him they realise that he is themselves.

They see the Simurgh – at themselves they stare
And see a second Simurgh standing there
They look at both and see the two are one.

The peace beyond understanding and the end of fear is the disappearance of duality.

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