Quarta Semana – Reflexão 2
O que é extraordinário na história do Natal, é quão comum ela é – deixando de lado o coro de anjos e a visita dos Três Reis Magos, que podemos considerar como complementos simbólicos. Esses símbolos, no entanto, representam o quão maravilhoso é este novo membro da espécie humana – um daqueles que justificam que nos chamemos de homo sapiens. Mas a maravilha brilha no comum, como as luzes da árvore de Natal quando você entra em uma sala escura.
Jesus não veio de uma família pobre, mas de uma classe de artesãos, e não era um príncipe real ou parte de qualquer elite. Não encontrar um quarto em uma hospedaria, quando há uma grande conferência na cidade, aconteceu com muitos outros. Ele nasceu em uma manjedoura, que poderia significar um “local para ovelhas”. Autores posteriores, descreveram-na como uma caverna. As cavernas são símbolos antigos de encontros com Deus. Orígenes pensou que poderia ter sido uma caverna onde as ovelhas eram mantidas, talvez em um antigo local dedicado ao deus Tammuz, patrono dos pastores.
Quaisquer que sejam os fatos, os pastores estão fortemente presentes na imagem simbólica. Mais tarde, Jesus se autodenominou o “bom pastor”, e a representação artística mais antiga dele é como um jovem pastor carregando a ovelha perdida nos ombros. Embora, no antigo Israel, quando eram nômades, os pastores tivessem uma boa imagem pública, na época de Jesus, eles se tornaram uma classe desprezada. Tudo isso sugere, pelas circunstâncias de seu nascimento, que Jesus era igualmente capaz de lidar com os ricos e poderosos, mas era preferencialmente voltado para os pobres e marginalizados.
O Verbo eterno que se fez carne em uma gruta em Belém, também se forma, e toma forma em nós através de nossa vida diária. Tudo o que fazemos, pensamos, dizemos, e tudo o que nos acontece, evoca uma resposta – consciente ou não – tem influência nessa formação. São Paulo, como guia espiritual de suas comunidades, experimentou as dores do parto, como “Cristo era formado em vós” (Gl 4,19). É um nascimento, uma personificação da Individualidade de Deus, que acontece em nossa parte mais profunda; mas também é sentido por aqueles com quem vivemos, especialmente aqueles que têm uma preocupação especial por nós – como nós, por eles. Essa é a experiência tanto da intimidade pessoal quanto da comunidade.
Irmão Lawrence, um leigo carmelita em um movimentado mosteiro de Paris no século XVII, era famoso por sua profunda experiência da presença de Deus. Essa presença irradiava dele, levando outros a despertarem para ela. Ele tinha que ir ao mercado todos os dias e pechinchar os preços dos mantimentos, e então supervisionar uma cozinha movimentada. Dizia sentir a presença de Deus mais fortemente lá do que na igreja. O senso contínuo da presença de Cristo, que agora culmina na época do Natal, é o objetivo da meditação e do Advento. A mensagem é: não se torne muito piedoso, muito autoconsciente ou artificialmente elitista em sua vida consciente, no nascimento do Verbo. O Irmão Lawrence entendeu a revelação surpreendente de Deus no comum, e que isso não significa que precisamos nos tornar pessoas “especiais de aparência santa”, apenas sermos nossos verdadeiros eus: “Devemos nos aplicar incessantemente a este único fim: para governar todas as nossas ações, de forma que elas sejam pequenos atos de comunhão com Deus; mas não devem ser forçados, devem vir naturalmente, da pureza e simplicidade do coração.”
À medida que o Verbo se torna carne em nossos corpos, mentes, sentimentos, e, em todos os nossos relacionamentos, cada vez mais de quem eu sou, se encarna no Verbo. E é por isso que dizemos “Feliz Natal” em vez de apenas “Boas Festas”. Feliz Natal!