carta 18 – Autoconsciência versus autoconhecimento
A importância atribuída ao insight, resultando em verdadeiro autoconhecimento, é trazida à tona pelo conselho essencial dado por professores espirituais e filósofos ao longo da história: “Homem, conheça a si mesmo”. Somos encorajados não apenas a conhecer o “ego” e a maneira como ele é motivado, o que levará à possibilidade de mudança, mas também o conhecimento do “Eu”, a consciência do nosso ser total e do Divino interior. “Quando vos conhecerdes, sereis conhecidos e compreendereis que sois filhos do pai vivo. Mas se vocês não se conhecem, então vocês habitam na pobreza, e vocês são pobreza. ” (Evangelho de Tomé 3)
Considerando que o autoconhecimento é essencial, a autoconsciência, no entanto, forma uma poderosa barreira ao conhecimento do nosso “eu” mais profundo e nos cega para a Realidade Última. A autoconsciência é, naturalmente, a característica única dos seres humanos que nos distingue, até onde sabemos, de outros seres sencientes. Mas o problema é que usamos essa habilidade de maneira restrita: em vez de ser uma consciência de todo o “eu”, limitamos e a concentramos estritamente em todos os pensamentos superficiais do “ego”. Usamos a autoconsciência, então, exclusivamente como uma ferramenta de sobrevivência. A maioria de nossos pensamentos gira em torno de nossas próprias preocupações de uma forma ou de outra, tentando aprender com nosso passado e planejar o futuro em prol da sobrevivência. Nossas memórias do passado podem, é claro, ser uma ajuda construtiva na formação do presente e no planejamento para o futuro. Mas muitas vezes o resultado é que vivemos apenas no passado e no futuro e passamos por cima do momento presente.
Não é que o nosso “ego” não seja importante. Especialmente na primeira parte da nossa vida, dependemos do nosso “ego” e precisamos dele para sermos saudáveis e bem adaptados. Esta é a primeira parte de um desenvolvimento que Jung chamou de processo de “individuação”. Além disso, sempre manteremos a necessidade da sabedoria do “ego”, pois nossas habilidades de sobrevivência continuarão a ser necessárias para lidar de forma madura e realista com o mundo externo e interno. Mas precisamos lembrar que a consciência do “ego” da qual estamos corretamente orgulhosos está na superfície e em constante mudança, determinada por nossas preocupações atuais. É a sabedoria permanente mais profunda do “eu” que reside no Inconsciente que precisamos trazer à consciência. Precisamos de um desenvolvimento do “ego” que ande de mãos dadas com a crescente consciência do “eu” espiritual. Precisamos de uma mudança de ênfase do “ego” para o “eu”.
A atenção unidirecionada da meditação ajuda essa mudança a ocorrer. Ao deixar os pensamentos para trás, deixamos o passado e o futuro para trás e o mantra nos mantém no momento presente. Então o nosso “ego” se torna um centro consciente que aceita material inconsciente em sua visão e que se vê como parte integrante do todo. Então operamos a partir de uma base equilibrada usando todos os nossos recursos, todas as nossas habilidades conscientes e inconscientes, racionais e intuitivas.
Esta é a segunda parte do processo de “individuação”, onde chegamos a uma “síntese dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade”. Este verdadeiro autoconhecimento que conduz à integração psicológica e à totalidade não ocorre apenas para seu próprio bem, mas como um trampolim para vivenciarmos a Realidade Última: “a realidade que chamamos Deus tem primeiro de ser descoberta no coração humano; além disso, não posso vir a conhecer a Deus a menos que eu conheça a mim mesmo.” (Meister Eckhart).
(Trecho de ‘Dancing with Your Shadow’ – Kim Nataraja)