carta 48 – Atenção plena verdadeira e a observação dos pensamentos
Vimos como Evágrio delineou o processo de desdobramento das memórias através dos vários estágios de sensações e sentimentos, que amplificam os desejos e causam os pensamentos e a ação resultante. Ele explicou que a tarefa mais importante que temos é “observar nossos pensamentos” e tomar consciência das conexões e associações entre eles.
Evágrio não está nos pedindo para assistir ao lixo trivial habitual que flutua sobre a superfície de nossa mente. Isso seria inútil e excruciantemente chato. Ele está preocupado com os ensamentos profundos que são expressões de nossas necessidades não atendidas e desejos não purificados ou desejos provenientes de nossa natureza espiritual mais profunda. Precisamos dar a esses pensamentos significativos e suas associações a atenção que merecem. São os únicos indicadores que temos do que realmente nos motiva para o bem ou para o mal.
Evágrio era altamente respeitado por seus bons conselhos sobre como limpar os pensamentos sobrepostos de fortes emoções. Veremos que quando ele fala de ‘paixões’, ‘maus pensamentos’ e ‘demônios’, (‘logismoi’ em grego) ele está falando de forma semelhante aos termos junguianos de ‘arquétipos’, de pensamentos que residem no ‘inconsciente coletivo’, campos conceituais tecidos a partir do pensamento e da emoção. Esses “arquétipos” alimentam a “sombra” no “inconsciente pessoal”: em outras palavras, nossos pensamentos que não são purificados exploram essas energias latentes e são amplificados por elas. É claro que ele é um homem do seu tempo, então temos que permitir que ele nomeie esses ‘demônios’. Mas como eles são muito poderosos, não é difícil entender por que essas forças receberam entidades distintas. É importante frisar mais uma vez que os “demônios” só podem ganhar influência em nossa vida através de nossos pensamentos.
Precisamos, portanto, interromper a sequência da sensação ao pensamento antes que a memória condicionada e a imaginação as transformem em “desejos desordenados” e, em seguida, inevitavelmente em ação. Veremos na próxima semana de onde vêm esses “demônios” e como eles estão associados às nossas necessidades de sobrevivência. ‘Observar os pensamentos’, ‘Observar a mente’ é uma atividade feita nas práticas budistas durante o período de meditação. Mas logo fica claro que o que Evágrio está recomendando é uma consciência dos pensamentos, emoções e ações fora dos períodos reais de oração/meditação. A meditação para os eremitas do deserto e para nós é o momento em que silenciamos temporariamente a mente superficial. Às vezes, porém, um pensamento claro surge durante esse período, o que é muito valioso. Os insights acontecem, pois o estado meditativo permite que as informações passem do inconsciente para o consciente, do “eu” para o “ego”. E nosso inconsciente capta informações de fundo muito mais importantes do que nossa mente consciente, quando estamos lidando com problemas ou questões da vida diária. Precisamos refletir sobre esses insights intuitivos no tempo longe da meditação, tentando entender o que eles nos dizem sobre os desejos ou necessidades básicas que determinam nosso comportamento.
De acordo com Evágrio, a maneira de identificar nossos demônios/pensamentos malignos pessoais é dupla: pela oração/meditação – invocando poderes espirituais para nos ajudar – e pelo esforço para chegar ao autoconhecimento e à consciência, o que é alcançado observando os pensamentos. Ele ressaltou que não é algo que conseguimos apenas com nosso próprio esforço. Nosso “eu” superior nos liga à Realidade Espiritual Superior, o Cristo interior. Insights, inspiração e cura vêm dessa Fonte. Essa contribuição de nossa mente superior é indispensável para o verdadeiro insight e crescimento. Daí a importância de limpar nossa mente da desordem superficial e sermos abertos, confiantes e fiéis.
A primeira etapa é identificar os pensamentos. Precisamos ouvir atentamente o programa em nossa própria rádio interna. Quais são os pensamentos persistentes e recorrentes? Peneire o trivial dos mais significativos, rotulando-os. Qual é o desejo que alimenta isso? Você está ciente de quais sensações ou sentimentos iniciaram o processo de pensamento? A mudança vai acontecer. Uma vez que praticamos a atenção plena e nos tornamos mais conscientes, passaremos a entender o que nos move. Mas precisamos ser pacientes e gentis com nós mesmos. A mudança só pode acontecer gradualmente, às vezes até imperceptivelmente. Precisamos dar um pequeno passo neste momento e lembrarmos que não estamos sozinhos nessa jornada para o autoconhecimento e nos tornarmos ‘plenamente vivos’.
Mas chegará o momento em que tomaremos consciência dos gatilhos repetidos e então teremos a opção de não seguir cegamente suas sugestões. Nomear seus demônios cria o espaço para segui-los ou não. Podemos então modificar nossas respostas habituais e evitar aquelas reações instintivas. Nomeie seus demônios e seu coração os tolerará melhor.
Kim Nataraja