Carta 49 – Orígenes e a Escritura

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A tradição beneditina inclui uma leitura cuidadosa e contemplativa da Escritura. Muitos de nós na Comunidade terminamos dessa maneira nosso período de meditação. A origem desse tipo de leitura se encontra nos primeiros séculos da Cristandade, quando os seguidores de Jesus procuravam entender quem fora Ele, e qual o significado de seu ensinamento. Orígenes foi o primeiro a expressar claramente a relação existente entre a Escritura, a experiência espiritual e a compreensão.

Em seu capítulo sobre Orígenes no livro Journey to the Heart, o Rev. Prof, Andrew Louth explica: “Tudo o que Orígenes escreveu, e ele foi prolífico autor, estava ligado à interpretação da Escritura e tomava a forma de comentários e sermões. Tratava-se do núcleo de sua erudição e de sua teologia mística; de fato, isso formava a base de seus ensinamentos. É provável que ele tenha escrito comentários sobre todos os livros da Bíblia, muitos dos quais, infelizmente, não chegaram até nós, pois alguns de seus escritos foram mais tarde considerados heréticos.

Seu trabalho mais importante, dentre os que chegaram até nós, é o que versa Sobre os Princípios, e contém um método sistemático sobre como se deve ler a Escritura. Grande parte da exegese atual se ocupa de uma análise crítica de palavras empregadas. Ainda que Orígenes se desse ao luxo de fazer o mesmo até certo ponto, ele ressaltava a importância de ir além do primeiro nível da leitura, isto é, o de apenas concentrar-se no significado superficial do texto. Para Orígenes a verdadeira razão para se ler a Escritura era a de nos levar a um encontro com Cristo; tratava-se essencialmente de uma experiência espiritual. A voz que ouvimos nas Escrituras é a de Cristo que nos fala, e nossa compreensão da Escritura é uma via de união com Ele.

É nele que podemos identificar a origem da tradição da “Lectio Divina”, a leitura lenta e meditativa da Escritura que por fim leva à medula do texto. Ele expressa a experiência da descoberta do significado teológico e espiritual da Escritura por meio de alegorias, utilizando frequentemente uma linguagem mística; ele fala de um “despertar repentino”, de “inspiração”, e de “iluminação”. Claramente, o misticismo de Orígenes está centrado no Verbo, e em que é na Escritura que apreendemos o Verbo eterno.

Em sua visão o Cristianismo é a realização do Antigo Testamento. Os vislumbres que Moisés e os profetas tiveram da verdade, com efeito encarnaram-se em Cristo. O Antigo Testamento era a história de como Deus lidou com Seu povo, mas Cristo era a verdade e a chave para o entendimento da Escritura. Se prestarmos cuidadosa atenção ao Antigo Testamento ouviremos ali o Evangelho de Cristo: por exemplo, na introdução ao seu comentário sobre o Cântico dos Cânticos, Orígenes fala do amor de Cristo por sua Igreja, ‘Cristo é o noivo que nos busca no amor’. No entanto, o contexto litúrgico nunca fica para trás, pois a Escritura deveria ser principalmente ouvida na Igreja e a maior parte do trabalho de Orígenes consistia de sermões. No século IV Basílio de Cesaréia e Gregório Nazianzeno fizeram uma seleção dos escritos de Orígenes, a Filocalia. No início (no capítulo 6) eles selecionaram uma passagem em que Orígenes sugere que ouvir as Escrituras é como tentar ouvir uma sinfonia: você não será capaz de entendê-la se não tiver apreendido os princípios da harmonia. Como aprender esses princípios? A partir de nossa vida como cristãos e por meio da Regra da Fé. Com essa compreensão, podemos ouvir a harmonia.”

(Extraído do livro Journey to the Heart – Christian Contemplation through the centuries)

Até a Próxima Semana

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

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