Carta 50 – Orígenes e os Estágios da Jornada (1)

Cara(o) Amiga(o)

Vimos como Orígenes vinculou nossas duas formas de ser, ativa e contemplativa, com Maria e Marta, mas depois ele refina isso e distingue três etapas, que ele chama de ‘ética’, ‘física’ e ‘enótica’. O Bispo Kallistos Ware no livro Journey to the Heart explica o seguinte:

“‘Ética’, a primeira etapa, corresponde à vida ativa, à aquisição de virtudes. As outras duas são formas de contemplação, mas Orígenes distingue entre o que ele chama de “físicas”, que significa a contemplação da natureza, ver Deus em Sua criação, ver Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus e ‘enóticas’, o que significa a visão de Deus (discernimento espiritual)…

Encontramos este esquema triplo particularmente em Evágrio Pôntico, um padre do deserto egípcio do final do século IV e Máximo, o Confessor, no século VII.

É claro que, quando olhamos atentamente para a forma como Orígenes ou Evágrio ou Máximo falam sobre o esquema triplo, não é uma questão de estágios sucessivos, um que termina antes do próximo começar. É mais uma questão de aprofundamento em níveis que podem se sobrepor, que podem ser simultâneos, ao invés de sucessivos. Em outras palavras, você pode avançar da vida ativa para a contemplação da natureza, mas você ainda teria que liderar uma luta para seguir uma vida moral. E você pode ir mais longe e ter experiências da visão direta de Deus, e mesmo assim você ainda praticaria a contemplação de Deus na natureza.

O ponto de partida da ‘práxis’, a vida ativa da ‘ética’, especialmente segundo Evágrio, é ‘metanoia’. Isso literalmente significa uma mudança de pensamento, isto é, arrependimento. Arrependimento não é um paroxismo de culpa e auto-ódio; arrependimento significa mudar sua mente, uma nova maneira de olhar para si mesmo, para seu vizinho e Deus.

Então, é aí que você começa na vida ativa; em seguida você busca purificação de atos pecaminosos, purgando pensamentos malignos. E no final da vida ativa – e este é um argumento de Evágrio, em vez de Orígenes – você alcança o que ele chama de “apatheia”, o que não significa apatia. Significa ausência de paixão ou sofrimento, ser desapaixonado. Em um sentido negativo, isso é eliminação de desejos; em um sentido positivo a afirmação de desejos purificados e transfigurados. Não significa imunidade à tentação, porque esperamos enfrentar a tentação até o fim de nossa vida terrena.

Está intimamente ligado por Evágrio com a qualidade do amor, tendo deixado de cobiçar, começamos a ser capazes de amar. ‘Apatheia’ não é, portanto, apenas negativamente a eliminação de desejos pecaminosos, mas positivamente a substituição de nossos impulsos desordenados por uma nova e melhor energia de Deus. Então, significa saúde da alma, reintegração, liberdade espiritual.

São João Cassiano, ao apresentar o ensinamento de Evágrio no Ocidente em latim, usa “puritas cordis”, pureza do coração, em vez da palavra “apatheia”. Isso tem a grande vantagem de ser positivo e não negativo em suamaneira de ser também bíblico.”

(Extraído do livro Journey to the Heart – Christian Contemplation through the centuries)

(Continua na próxima Carta)

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

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