carta 22 – O Reino de Deus
“Para encontrar Deus, então, devemos perder Deus – pelo menos nossas ideias primitivas e imagens de Deus.” Mas, como vimos na história sobre o monge nas Conferências de João Cassiano, perder a imagem de Deus é perturbador e doloroso e leva temporariamente a um sentimento de ausência de Deus. “Ai de mim, desgraçado que eu sou! Eles tiraram o meu Deus de mim, e eu não tenho ninguém para me agarrar, nem sei a quem devo adorar ou me dirigir!” Mas em nosso caminho de oração contemplativa “lentamente percebemos que perder a imagem é o pré-requisito para encontrar o original”. Uma vez que deixamos de lado imagens e ideias, experimentamos Deus no silêncio da oração e nos tornamos conscientes de Sua Presença, o Reino de Deus.
A frase “o Reino” é mencionada logo no início do evangelho de Marcos (1:15), em um ditado que muitos consideram ser a essência do ensinamento de Jesus: “Chegou a hora; o Reino de Deus está sobre vós; arrependei-vos e crede no Evangelho’. Como todo ensinamento de Jesus, o verdadeiro significado só se torna claro através da compreensão intuitiva e experiencial. Mas ainda assim as palavras usadas são úteis. A palavra usada para “tempo” não é “chronos”, tempo cronológico, mas “kairos”, o tempo de Deus, ou seja, atemporalidade, referindo-se a uma realidade além do nosso tempo e espaço.
Esta realidade está difundida «em vós e entre vós» (cf. Lc 17, 21), como a maioria dos estudiosos compreende a expressão «sobre vós», sublinhando que o Reino não está num lugar particular, mas é a Realidade Divina e onipresente de Deus. Além disso, entendemos a palavra “arrepender-se” agora como cobrir-se de vergonha em “pano de saco e cinzas”, mas o significado original da palavra é “pendurar novamente sua mente”, o que significa mudar a maneira como você olha para a realidade, que é um resultado da oração silenciosa.
Tendo separado o véu da realidade comum para a realidade última, vemos claramente e experimentamos o Reino. Então nós realmente sabemos qual é o significado das “boas novas” que Jesus nos trouxe. Jesus sabia que teríamos dificuldade em entender o que ele queria dizer com o Reino, já que o conceito do Reino é tão difícil de captar em palavras quanto Deus. Jesus tenta explicar, portanto, o que ele quer dizer através de parábolas. Há quatro parábolas que tratam especificamente do “Reino”.
Todos as quatro estão incluídas nos três evangelhos sinóticos, mas não no evangelho de João. Duas delas – o “grão de mostarda” e o “fermento” – (Mt 13, 31-34) mostram a importância do Reino. Em o ‘Fermento’, enfatiza-se que ele é o ingrediente essencial em nós. Sem o “fermento” a massa não cresceria para se tornar pão e um ser humano não cresce para ser “plenamente vivo” sem o fermento do Reino de Deus dentro de si. O “grão de mostarda” enfatiza seu poder e extensão, que inclui toda a criação. O “Tesouro Enterrado” e a “Pérola” (Mt 13:44-47) mostram que nada acontece por si só.
Temos que ser ativos em nos tornarmos conscientes do Reino dentro de nós. Espera-se que algo de nós perceba seu valor inestimável. O aspecto mais importante do Reino é apontado por Laurence Freeman: “O reino refere-se à vida de Deus através do relacionamento consigo mesmo e com os outros… [ela] está inextricavelmente envolvida no relacionamento e na interdependência… Nosso relacionamento pessoal com Deus está consagrado na família de todos os seres. Deus é a base de todo o ser.”
Kim Nataraja