Carta 25 – Sem pensamentos, sem imagens

Cara(o) Amiga(o)

Na carta da semana passada acerca da “Filosofia Perene” vimos como a experiência de silêncio interior e de solitude, conferida por disciplinas espirituais contemplativas tais como a meditação, nos leva a descobrir a essência de nossa religião, que aliás é o núcleo comum ao coração de todas as tradições de sabedoria e religiões. Ainda que no nível da experiência haja muito em comum entre as religiões, no nível da teoria e da teologia existem diferenças formadas pelos filtros da cultura e da sociedade, através dos quais interpretamos essas experiências. No entanto, no mundo em que vivemos, é importante que respeitemos a verdade em todas as religiões e nos envolvamos em diálogo inter-religioso, que é um aspecto importante da Comunidade Mundial.

Através da partilha do silêncio das disciplinas contemplativas com outras pessoas de todas as fés, surge um comunitarismo, e com ele o respeito mútuo e a compreensão. Não haveria conflito, nem falta de compreensão, se pudéssemos ficar no nível da experiência, do silêncio compartilhado. Mas, nos deslocamos muito facilmente da experiência para o pensamento. O esforço para compreender verdadeiramente a experiência espiritual interior nos impele a traduzi-la em imagens e palavras; é assim que funciona a nossa consciência. Nossa capacidade de dar nome às coisas nos dá uma sensação de segurança e controle, por mais ilusória que ela possa ser. Mas, costumamos nos esquecer dos limites da nossa consciência racional e dos filtros culturais e emocionais através dos quais tentamos entender a Realidade Divina; esquecemos que todos os pensamentos e imagens, especialmente sobre o Divino, distorcem e limitam.

Na verdade, os primeiros cristãos consideravam até uma blasfêmia atribuir qualquer nome a Deus. Logo no início da tradição mística cristã, no século II, encontramos Clemente de Alexandria, que é o primeiro teólogo/filósofo cristão que tentou colocar em palavras a experiência mística e a relação entre a alma humana e o Divino. Ele fez isso em um caminho “apofático”, o caminho “da negação”, ele não disse o que Deus era, pois ele via o Divino como um sagrado mistério além da nossa compreensão. Tentou chegar à essência Divina, dizendo o que Deus não era: “Deus não está no espaço, mas acima de ambos, espaço e tempo, e nome e pensamento. Deus é sem limites, sem forma, sem nome. Ele é anônimo”. Ele simplesmente é: “Você é deixado com a noção de puro ser, e isto é o mais próximo que você pode chegar de Deus… Ele é inefável, além de toda a fala, além de todos os conceitos, além de todo pensamento.” (Clemente de Alexandria)

Ele sentiu que só podemos conhecer a essência de Deus removendo todas as qualidades normalmente associadas com qualquer coisa no mundo material. Uma bela analogia era corrente na época: um escultor desbasta um bloco de mármore até que uma forma se revela. Da mesma forma, se almejamos experimentar a realidade Divina, também precisamos desbastar todas as nossas ideias e conceitos a respeito de Deus, nossos pensamentos, nossas imagens, até que, pela graça, Sua presença essencial se revela. Então, entramos em “um estado em que reverenciamos Deus em respeito e silêncio, e nos colocamos diante dEle com sagrada admiração.” (Clemente)

Esse é o estado que nos ajuda a ser tolerantes com todas as diferentes expressões da busca humana por significado.

por Kim Nataraja

 Até a próxima semana!

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

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