Carta 3 – Perseverança
Cara(o) Amiga(o)
Intimamente ligado ao voto beneditino de ‘Conversão’, está o voto de ‘Estabilidade’. Bento estava muito consciente de que a conversão contínua (o constante voltar-se para o Divino na oração e na vida) que o caminho espiritual requer, é um processo difícil e, frequentemente, desencorajador. Desse modo ele enfatizava a virtude da ‘estabilidade’, pela qual ele se referia, em primeiro lugar e acima de tudo, a qualidade da perseverança, um enraizamento na tradição e na prática.
O que fazemos quando relutamos em meditar? O que fazemos quando nos sentimos com medo de largar nosso controle? O que fazemos quando nos sentimos falhos na meditação porque nunca nada acontece? A virtude da ‘Estabilidade’ nos ensina o seguinte: nós simplesmente nos sentamos na hora habitual e recitamos nossa palavra. Perseveramos em nossa prática, sem nos importarmos com o que acontece, ou não acontece. Nos sentamos, fielmente, e recitamos nosso mantra sem esperar nada.
A beleza está no fato de que alguma coisa está acontecendo, mas num nível que está além de nossa personalidade superficial; a mudança verdadeira acontece em nosso centro profundo. Não estamos conscientes disso, porque isso está além de nossa consciência racional. Se apenas permitirmos isso, e confiarmos, a meditação possibilitará uma conversão do coração, uma mudança de ênfase, do eu superficial para o verdadeiro eu em Cristo.
Bento foi muito influenciado pelos ensinamentos dos Padres e Madres do Deserto através de João Cassiano. Eles também conheciam esse enfado, essa aridez, esse ‘pra que isso?’, que demanda o antídoto da estabilidade. Eles chamavam essa emoção paralisante de o ‘Demônio da Acídia’:
O demônio da acídia – também chamado de demônio do meio-dia – é o causador dos mais sérios entre todos os problemas. Ele ataca o monge [o meditante] na quarta hora [10h] e faz um assédio à alma até a oitava hora [14h]. Primeiramente, ele faz parecer que o sol quase não se move, se é que se move, e que o dia tem 50 horas. Então, ele obriga o monge a olhar, constantemente, para fora da janela, a sair de sua cela, a olhar cuidadosamente para o sol, para determinar quanto falta para a nona hora [15h, a hora da única refeição do dia] olhando para cá e para lá, para ver, se por acaso, um dos irmãos sai de sua cela. Então, ele também instila no coração do monge um ódio por esse local, um ódio por sua própria vida, um ódio pelo trabalho manual [um ódio pela meditação]. Ele o leva a pensar que a caridade desapareceu do meio dos irmãos, e que não há ninguém que o encoraje. Se acontecer de que alguém o ofenda, de um modo qualquer, esse demônio também usa isso para aumentar ainda mais seu ódio. Esse demônio o leva a desejar outros locais onde ele possa obter mais facilmente as necessidades da vida, onde mais facilmente ele possa encontrar um trabalho, e ser bem sucedido. Ele segue sugerindo que, afinal de contas, não é o local que importa para satisfazer a Deus. Devemos adorar a Deus em todos os lugares. E, ainda junta a essas reflexões, a recordação de seus entes queridos e, de sua maneira pregressa de vida. Ele retrata a vida, no decorrer de um longo tempo, trazendo aos olhos da mente a fadiga do esforço do asceta [da prática da meditação] e, não deixa escapar nenhuma oportunidade para induzir o monge a abandonar sua cela e desistir da luta. Nenhum outro demônio segue nos calcanhares desse (quando esse é derrotado), mas, dessa luta, surge apenas um estado de profunda paz, e inexprimível alegria.
Nós reconhecemos muitos dos sentimentos expressados aqui: a hora não passa; ninguém tem uma palavra de encorajamento; eu não estou conseguindo nada; é tão difícil permanecer sentado quieto; como é enfadonho apenas repetir nossa palavra; não seria melhor apenas ler um livro sobre meditação e espiritualidade? Não seria mais eficaz uma caminhada pela natureza? Mas a mensagem é muito clara, não deixe o ‘demônio’ vencer, persevere, e a paz reinará.
por Kim Nataraja
Até a próxima semana!
Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL