carta 29 – Vício em pensamentos

O aspecto mais importante da meditação é prestar atenção unidirecionada à nossa palavra, o que nos ajuda a abandonar os pensamentos do passado e do futuro com suas esperanças, medos, preocupações e ansiedade. Fazer isso nos permite permanecer no momento presente.

Ouvimos Jesus dizer no Sermão da Montanha:
“Por isso é que eu lhes digo: não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir. Afinal, a vida não vale mais do que a comida? E o corpo não vale mais do que a roupa?” “Quando ele nos diz para não nos preocuparmos, Jesus não está negando a realidade dos problemas diários. É a ansiedade que ele está nos dizendo para abandonar, não a realidade.” Mas, no entanto, são esses tipos de pensamentos que continuam a nos preocupar, apesar de tudo.

No momento em que realmente tentamos abandonar todos os nossos pensamentos e imagens, nos tornamos muito conscientes de quanto nossa mente consciente, nosso “ego”, os considera essenciais para o nosso senso de identidade. Enquanto estamos pensando, pensamos que sabemos quem somos e sentimos que temos um certo grau de controle sobre o que acontece; nos sentimos no comando e, portanto, seguros. Entrar no silêncio nos faz sentir fora de controle e inseguros, criando às vezes até uma sensação de pânico. Precisamos lembrar e reconhecer que os pensamentos são apenas pensamentos – eles são impermanentes, mutáveis e um resultado de percepção subjetiva limitada, uma visão parcial emocionalmente colorida de um nível de realidade, o material.

Somos de fato viciados em pensamentos, como fomos criados na visão de mundo dos últimos quatro séculos, que considerava o pensamento a atividade mais elevada em que podemos nos envolver. Descartes, em sua declaração “Penso, logo existo”, chegou ao ponto de vincular a existência ao pensamento. Não pensar nos faz sentir como se não existíssemos, [parece] uma ameaça à nossa sobrevivência, daí os sentimentos de medo, até mesmo pânico, que nos impedem de ficar no silêncio.

T.S Eliot traz isso lindamente em Quatro Quartetos:
Ou como, quando um trem, no metrô, para muito tempo entre as estações
E a conversa aumenta e lentamente desaparece em silêncio
E você vê por trás de cada rosto o vazio mental se aprofundar
Deixando apenas o crescente terror de nada sobre o que pensar.

“o crescente terror de nada para pensar.” O terror de não sobreviver! Nós temos que abandonar essa ligação entre o pensamento e o ser. Dado esse pano de fundo, realmente não é surpreendente que tenhamos medo, quando confrontados com uma disciplina como a meditação, que nos encoraja a abandonar o pensamento e as imagens, na verdade todas as operações da mente racional, o “ego”: pensamento, memória e imaginação. Precisamos do “ego” na realidade comum para nos ajudar a sobreviver, mas na meditação não precisamos de sua supervisão; temos que ser corajosos e temporariamente livres. Quando tentamos mergulhar no silêncio, o “ego” enfatizará e aumentará a consciência dos pensamentos como uma barreira protetora [que nos impede] de ir mais fundo. Isso nos encoraja a nos identificarmos com esses pensamentos e emoções superficiais. Sua dança louca destina-se a nos levar à distração e ao desespero, de modo que assumimos que a meditação não é para nós. “Sentimento de culpa ou desânimo com o nosso grau de distração são irrelevantes. Aceitar o fato da distração é simplesmente um estágio de autoconhecimento, autoaceitação e integração: o próprio processo que constitui o caminho espiritual.”

Kim Nataraja

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