Carta 18 – Ouvindo Verdadeiramente

Cara(o) Amiga(o)

É compreensível que o ensinamento John Main e Laurence Freeman, por serem ambos monges beneditinos, tenha sido influenciado pelo modo de vida que a Regra de São Bento incentiva. Dos três votos beneditinos, que também formam o contexto para um Oblato (Obediência, Conversão e Estabilidade) é a obediência que causa algumas apreensões iniciais. Uma característica de nossa civilização ocidental, especialmente desde as duas Guerras Mundiais, é a de que desconfiamos da autoridade e, aliada a isso, também da obediência. A autoridade deixou a desejar; com o resultado de que somos muito cautelosos em obedecer às autoridades, sejam da Igreja ou do Estado. Mas, São Bento diz no capítulo 71 da sua Regra aos seus monges: «A obediência é um bem (uma bênção) a ser manifestado por todos, não apenas ao prior e ao abade, mas também uns aos outros, sabendo que é por este caminho da obediência que irão a Deus.”

Frequentemente, quando lemos este capítulo da Regra, apressamo-nos ao lê-lo. Mas, se assim fazemos, perdemos um ponto importante. Já no Prólogo à Regra, São Bento começa por enfatizar a obediência, mas ali ela é traduzida do latim no sentido original, ou seja, ‘escuta’: “Escuta, filho, as instruções do Mestre, e presta atenção a elas com o ouvido do teu coração … para que voltes pelo trabalho da obediência àquele de quem te afastaste pela negligência da desobediência”.

É a obediência, no sentido de ouvir verdadeiramente com o ouvido do coração, que muda todo o impacto deste ensinamento. Ouvir verdadeiramente, não só ao prior e ao abade, mas também, uns aos outros, é o alicerce da comunidade. Porque esse verdadeiro prestar atenção uns nos outros é um presente precioso que podemos oferecer uns aos outros. Como Simone Weil nos lembra: “Aqueles que são infelizes não precisam de nada neste mundo, exceto pessoas capazes de lhes dar sua atenção.” Nós somos os guardiões de nosso irmão e irmã.

Como vimos na semana passada quando realmente ouvimos nos conectamos, de essência para essência, honramos uns aos outros; ao ouvirmos verdadeiramente o ensinamento, honramos nossos professores. Também a meditação é uma forma de obediência, uma forma de ouvir verdadeiramente com o ouvido do coração a voz interior, o Espírito, no centro do nosso ser, onde habita Cristo; e assim fazendo, somos conduzidos ao mistério de Deus, que São Paulo revela: “Cristo em vós, esperança da glória vindoura”. Esta é também a mensagem essencial de John Main para nós em ‘A Palavra que leva ao Silêncio’: “O mistério ao qual a meditação nos conduz é um mistério pessoal, o mistério da nossa própria pessoa, que encontra sua plenitude em Cristo.” Isso é essencialmente o que dá à nossa meditação seu sabor Cristão único.

Mas, esse não é o fim, somos atraídos ainda mais para o mistério de Deus: “Em Cristo estão escondidos todos os tesouros de sabedoria e conhecimento de Deus”. O resultado desse “ser atraído” para o mistério de Deus é a plenitude de ser. Nosso centro muda do ego para o nosso verdadeiro centro, o Ser, o centro de nosso ser total, consciente e inconsciente.

Nossa integridade, portanto, não depende de obedecer cegamente à autoridade com sua necessidade de controle, não depende de seguirmos sem crítica as regras e regulamentos superficiais, mas, na verdade, de ouvir profundamente tanto a voz da autoridade natural quanto a da essência moral das regras e regulamentos.

Kim Nataraja

Até a Próxima Semana

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

Publicações similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *